τί τοῦτο λέγει;
(Rodrigo Peñaloza, 2021)
Lágrima, do latim lacrima, que, por sua vez, corresponde ao grego δάκρυον (pronuncie “dácryon”, com “y” soando como “u” francês. O δ (delta, o nosso d) em alguns casos passou para o latim como l (a letra L, que nestes parênteses escrevo em maiúscula, pois a minúscula l parece o número 1 e eu não quero que você se confunda), como é o caso de Ὀδυσσεύς (pronuncie “odysséus”), a personagem da Odisséia, que em latim virou Ulixes e daí o nosso Ulisses. Não se assuste. Já se perguntou por que quem nasce em Madri (Madrid) é madrilenho e não madridenho?
Escória. “Escória da terra”: quem nunca ouviu essa expressão? Escória vem do latim scoria (que se pronuncia igualzinho) e significa o refugo ou impureza do metal fundido, um rebotalho que era considerado inútil. Em grego era σκωρία (pronuncie “skoría”, com “o” longo, como um duplo “o”, e tônica no “i”).
Coturno. Quem não se lembra quando, nos anos 80, a moçada usava aqueles coturnos militares pra fazer de conta que era revoltada? Geralmente o coturno vinha acompanhado de uma camiseta preta de alguma banda de rock com jeito de punk e uma pulseira de couro com espetos. Piercings completavam a revolta social, no mais estrito padrão determinado pela sociedade. Nas mulheres ficava especialmente bonito, principalmente se as pernas ficassem de fora. Coturno vem do Latim cothurnus, que, por sua vez, nada mais é do que a forma latina da palavra grega κόθορνος, cuja pronúncia é kóthornos, proparoxítona com o th pronunciado separadamente, como no t-h da expressão em inglês “short-hand”. O κόθορνος era uma bota flexível, que chegava até o meio da perna, usada pelo ator trágico grego, junto com uma túnica que ia até os pés. Como tivesse o solado bem alto, certamente fazia com que a figura do ator causasse no espectador uma forte impressão de pequenez frente ao drama. Na comédia o que se usava era o calçado de uso diário, conhecido por ἐμβάδες (pronuncie embádes), junto com um traje curto.
Colher. Utensílio culinário. Deriva do latim cochlea, que, por sua vez, corresponde ao grego κόχλιας (proncuncie kóchlias, com “ch” gutural, como em alemão) e significa caracol. Recebeu esse nome em razão de sua forma um tanto encaracolada.
Arroz. Em latim se dizia oryza. Mas como para qualquer palavra latina com y e z se levanta a suspeita de que tenha sido tomada do grego, eis que não é surpresa ela ter vindo, na verdade, do grego ὄρυζα, que se pronuncia órydza, o “y” como o “u” francês. Estudos mais recentes dizem que o ζ (dzeta) era pronunciado zd e não dz, de modo que a pronúncia talvez fosse óryzda. Isso não importa. Pra brincar um pouco com o que Aristóteles chamava de termos equívocos: o arroz pode ter vindo da China, mas arroz veio da Grécia.
Cara. “Brasil, mostra a sua cara!”, cantava Cazuza com entusiasmo. Em latim, temos o adjetivo “carus, cara”, que é exatamente aquele que herdamos quando dizemos “Meu caro! Minha cara!” Em grego também. Só que em latim não tinha o sentido de rosto, cabeça. Em grego sim. Na tragédia Electra, de Sófocles, trechos 1309–1310, Electra diz:
ou seja: “Ei, tu, não temas que alguma vez o meu rosto seja visto rejubilante”. O termo grego é κάρα, pronunciado tal qual o fazemos: cara.
Nike, o tênis. O adolescente compra um tênis Nike e sai todo prosa da loja! Ele até diz pros colegas que comprou um “Náik”. Na verdade, vem do grego Νίκη, a deusa grega da vitória e se pronuncia “níke”. O nome da marca vem daí, não foi por causa de alguém chamado Nick. Esse Nick aí não tem nada a ver com Νίκη.
Lego. Quem, na infância, nunca brincou com peças de lego, aquelas pecinhas de montar? O verbo grego λέγω, que significa “eu digo” (em grego e em latim o verbo é identificado pela primeira pessoa do presente do indicativo ativo, não pelo infinitivo) também significa “eu monto, eu junto, eu recolho, eu pego para juntar”. Na Odisséia (XVIII.359), de Homero, Eurímaco zomba de Odisseu e lá pelas tantas diz αἱμασιάς τε λέγων, “recolhendo [pedras] para fazer paredes”.
Isso tudo foi só para mostrar que o Latim e o Grego estão muito mais presentes na sua vida do que você jamais pensou.