A divisão dos fatores de produção

Rodrigo Peñaloza
3 min readJul 12, 2023

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(Rodrigo Peñaloza)

Pintura: "Escola rural", de Winslow Homer (1836-1910).

Geralmente, os fatores de produção são classificados em dois tipos: capital e trabalho. Trabalho refere-se a pessoas e capital a recursos duráveis não-humanos. Formalmente, capital é qualquer coisa que gere um fluxo de serviços futuros. Investimento é uma ação que cria capital. Quando uma pessoa sacrifica consumo presente em troca de educação, ela obtém, com isso, um fluxo de renda maior no futuro, na forma de salários, que são os serviços providos pelo capital humano, que, por sua vez, se expressa na forma de trabalho futuro. É, portanto, um investimento. A pessoa poderia, diferentemente, ter sacrificado consumo e investido em algum ativo real. Em ambos casos, a pessoa é uma capitalista.

Não existe, portanto, diferença econômica entre capital e trabalho. Tudo é capital. A única diferença possível estaria no fato de que as pessoas não são tão fluidamente transacionadas como o são os direitos de propriedade sobre prédios e máquinas, por exemplo. Mas isso é simples aparência. O contrato de trabalho significa que a pessoa transfere para o contratante o produto (na forma de serviço) de seus recursos de capital humano, em troca de uma remuneração dada pelo fluxo de salários. Ela faz, assim, uma alocação de risco. Quando o atleta assina um contrato de dois anos com um time, existe um valor presente de capital dos rendimentos futuros. O que se compra e vende, obviamente, não é a pessoa do atleta, mas esse valor de capital, tal como a sua parcela de propriedade de uma corporação também pode ser vendida.

Logo, não há diferença entre capital e trabalho, apenas uma classificação didática. Existe, porém, outra razão para essa classificação. Recursos que caem sob a alcunha de trabalho são mais facilmente substituíveis entre si para a produção da mesma unidade adicional de produto. Similarmente com recursos que caem sob a alcunha de capital. É como se tudo se resumisse a bloquinhos coloridos de recursos, que são então divididos em grupos caracterizados por uma cor mais ou menos homogênea. O fato relevante, porém, é que todos esses bloquinhos são unidades de recursos de capital.

Capital, trabalho e terra: George Shackle faz essa classificação. Ele diz que por terra se entende qualquer recurso que existe na natureza, independentemente do esforço humano. Trabalho é a pessoa que, com suas características, a utiliza para produção. Finalmente, capital é todo o resto, ou seja, todo bem real que, para gerar fluxo de serviços, precisa do esforço humano. Mas ele mesmo afirma também que isso é uma classificação. Shackle (Economics for Pleasure, cap. 2, parte b) diz o seguinte:

Somente supondo que cada uma dessas classes - ou fatores de produção - é homogênea, é que podemos examinar os efeitos que a combinação de fatores em diversas proporções produz e, desse modo, estudar a lógica da participação da renda entre os possuidores desses fatores.

Seja como for, é Armen Alchian quem traz à luz a natureza comum de todos eles: a capacidade de gerar fluxo futuro de serviços. Não importa como você classifica os recursos produtivos [se em K e L ou se em K, L e T (terra)], o fato é que, por serem recursos produtivos, todos caem sob a definição moderna de capital, que é a que foi dada acima: capital é qualquer coisa que gera um fluxo de serviços futuros. O problema está somente em reconhecer de que forma o trabalho (ou o trabalho e a terra), que é um fator classificado como distinto do capital, é, também, capital.

O que difere capital e trabalho HOJE é apenas o "timing" do investimento. HOJE, você sacrifica $100 em favor de um ativo real pra obter $120 no ano que vem. Isso é capital. O salário de $120 que você recebe HOJE remunera seu trabalho. Porém, se seu trabalho lhe retorna o salário que retorna HOJE, $120, é porque no passado você sacrificou $100 pra investir na sua educação, ou seja, em seu capital humano. A lógica é a mesma e tudo cai sob a mesma definição. É nesse sentido que capital e trabalho não diferem economicamente. A classificação em K, L (e terra) é meramente didática, refere-se à (quase-)homogeneidade que alguns recursos apresentam, mas isso em nada afeta a definição de capital. O aspecto de capital do trabalho é denominado pela literatura de capital humano. Para mais sobre isso, veja o clássico livro de Gary Becker, Human Capital, especialmente a primeira parte.

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Rodrigo Peñaloza
Rodrigo Peñaloza

Written by Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.

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