A Filosofia e a decadência do Ocidente

Rodrigo Peñaloza
4 min readFeb 9, 2025

--

(Rodrigo Andrés de Souza Peñaloza, 24-XII-2024)

Pintura: "A invasão de Roma por Genserico", de Karl Briulov, 1833.

Um pequeno erro no princípio torna-se grande no final (parvus error in principio esta magnus in fine), bem nos lembrou Tomás de Aquino em seu De Ente et Essentia ao parafrasear o que dizia Aristóteles no De Caelo. A decadência do Ocidente é um pequeno erro que se tornou grande, um erro filosófico que, embora inicialmente restrito às disputas acadêmicas medievais, respingou para o Pensamento ocidental perpassando não só a Ciência, mas também os costumes. O erro é o Nominalismo, um filho do Sofismo (nos moldes de Górgias e Protágoras) e de onde derivam, por exemplo, o ceticismo de Hume, o materialismo de Marx e o racionalismo de Descartes. Trata-se, portanto, de uma batalha de cosmovisões: a tradição clássica do Ocidente, consolidada no aristotélico-tomismo e na herança greco-latina e judaico-cristã, versus o Sofismo.

Desde Aristóteles, sabemos que existem 5 modos pelos quais um predicado se relaciona com o sujeito em um juízo. São os predicáveis: gênero, diferença específica, espécie, propriedade e acidente. David Hume, materialista e nominalista que era, dividiu os juízos em dois grupos: relações de ideias (o que Kant mais tarde chamaria de juízos analíticos) e matérias de fato (que Kant chamaria de juízos sintéticos).

Ora, os predicados nas relações de ideias são sempre o gênero, a diferença específica ou a espécie; os predicados nas matérias de fato são sempre acidentais. Hume deixa de fora as propriedades. Uma propriedade é um atributo da espécie que, apesar de não ser essencial, é exclusivo da espécie. Por exemplo, não é da essência do Homem a capacidade de rir, pois o homem que não ri não deixa de ser um homem, mas apenas o homem é capaz de rir, porque o riso pressupõe a razão, o que os animais brutos não têm.

Exemplos desse tipo de juízo são: “Todo homem é mortal” e “Para a alma, a justiça é preferível à injustiça” (lembre-se do diálogo de Sócrates com Polo em Górgias, de Platão). Esses juízos pressupõem que termos como “homem”, “alma” e “justiça” são universais, o que nos leva ao realismo de Aristóteles e de Santo Tomás de Aquino e nos faz rejeitar o nominalismo de Ockham, de Hume e da maioria dos filósofos modernos.

A Teoria dos Termos se refere à denominada primeira operação da mente, o primeiro passo na Lógica aristotélica. Somente depois é que se estuda a Teoria do Juízo, que é a segunda operação da mente. Os lógicos (depois de Peirce) abandonaram a Teoria dos Termos justamente por causa do nominalismo prevalecente entre os filósofos modernos e transformaram a Lógica em Lógica Proposicional, que começa pelo estudo dos juízos. Eis a grande diferença entre a Lógica Aristotélica e a Lógica Moderna.

O que o Nominalismo fez foi separar a Lógica da Metafísica e, negando a existência dos universais, negou que conceitos como Justiça e Homem fossem absolutos. Não por outra razão o Direito Positivo substituiu o Direito Natural e o Existencialismo substituiu a Ontologia. Homens que se enxergam como cães, magistrados que consideram a justiça um termo relativo, “progressistas” que consideram a ética uma construção social e outras esquisitices da Modernidade, tudo isso são o fruto podre do Nominalismo. E Hume não escapa disso. Outro fruto podre é a Filosofia da Linguagem. Como não admitem os universais, os filósofos da linguagem os substituem pela semântica e pela pragmática. É daí que decorre a desconstrução da linguagem pela esquerda.

O fato é que toda tendência cultural da sociedade, em qualquer época, tem origem numa metafísica. Como dizia Richard Weaver, “as ideias têm consequências”. A decadência intelectual da Modernidade se inicia com o nominalismo de Ockham e o abandono do Tomismo. É uma decadência porque a Modernidade é uma amputação da tradição platônica do Ocidente. Por tradição platônica, como nos ensina Peter Kreeft, devemos entender fundamentalmente Sócrates, Platão, Aristóteles e a síntese elaborada por Santo Tomás de Aquino.

Platão estabeleceu na República 4 níveis da razão e da educação:

  • 1. reflexo de imagens da realidade (a caverna),
  • 2. percepção sensorial da realidade,
  • 3. raciocínio lógico e
  • 4. sabedoria ou entendimento das formas pela abstração.

A característica da Modernidade é a supressão do quarto nível. É esse nível que nos alça a Deus, que nos faz ter o Summum Bonum como régua ética, que nos diz que a Justiça não é relativa e que o alegado direito de um ser humano se enxergar como um cão não passa de um caso de doença mental. A supressão do quarto nível, segundo penso, teve uma única razão espiritual: eliminar Deus do Pensamento humano.

Em suma, empobrecemos intelectualmente. Não confunda isso com quantidade de conhecimentos científicos. Refiro-me à recusa do uso das potências do intelecto para o quarto nível da educação.

O Ocidente está se matando em um lento suicídio que já completa 600 anos. Os bárbaros não mais destroem a Civilização como fizeram com Roma. Invadem-na e destroem-na pelas mãos dos filósofos que rejeitam a Tradição Platônica. A Modernidade são os sofistas redivivos. Ela defende as mesmas teses de Górgias e Protágoras, a quem Sócrates tanto combateu. Em vez de aceitarmos a Natureza como um dado da realidade, julgamo-nos aptos a dominá-la ad libitum (Bacon), matamos Deus para fazermo-nos deuses (Nietzsche).

Deus nos enviou uma pérola (a Tradição Platônica) e as jogamos aos porcos. Para quem compreende o simbolismo do Jardim do Éden, somos Adão comendo da maçã, expressão da revolta do homem contra Deus. A decadência do Ocidente é uma nova Queda.

--

--

Rodrigo Peñaloza
Rodrigo Peñaloza

Written by Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.

No responses yet