Rodrigo Peñaloza
3 min readDec 26, 2019

A GUILDA DE PEDREIROS NO PERÍODO LOMBARDO
(Rodrigo Peñaloza, nov. 2018)

A referência aos chamados “magistri comacini” (mestres comacinos) aparece a 1ª vez no código do rei lombardo Rotharis (636–652), onde, nos artigos 144 e 145, eles figuram como mestres construtores com poderes plenos para contratar e subcontratar. O código, com 388 artigos, é conhecido por Edito de Rothari e data de 643. Os artigos sobre os mestres construtores comacinos são:

144. Sobre os mestres comacinos. Se um mestre comacino, com seus associados (colligantes) vier a restaurar ou construir uma casa de uma pessoa qualquer, o contrato de pagamento já tendo sido feito, e acontecer de alguém morrer em razão da queda da casa ou de material ou pedra desta, nenhuma queixa deverá ser feita contra o dono da casa pelo mestre comacino ou os que trabalharem com ele como compensação pela morte ou dano; porque quem contratou o trabalho para seu ganho próprio não imerecidamente deve arcar com o dano.
145. Sobre os mestres convocados ou conduzidos. Se alguém convocar ou levar um ou vários mestres comacinos para projetar obras ou para prestar orientação diária aos seus servos na construção de seu palácio ou casa e acontecer de, em razão da obra, um dos comacinos ser morto, o dono da casa não deverá ser responsabilizado. Se, porém, o desmoronamento de madeira ou pedra vier a matar um estranho ou causar dano a quem quer que seja, a culpa não deverá ser imputada aos Mestres, mas àquele que os trouxe, e ele será responsabilizado pelo dano.

Extrato de uma edição contemporânea do edito de Rothari com menção aos mestres comacinos. Há incorreções óbvias no Latim do texto, sinal da predominância bárbara sobre a região.

Essas leis provam que, no século VII, os comacinos formavam uma guilda poderosa, capaz de asseverar seus direitos.

Não existe confirmação em bulas papais ou mesmo atos de reis carolíngios outorgando à guilda dos comacinos independência total das restrições de ir-e-vir. Sabe-se, entretanto, que missionários levavam consigo vários pedreiros para a construção de igrejas. Quando São Bonifácio viajou para a Alemanha como missionário, recebeu do Papa Gregório II (em 718) as devidas credenciais para a missão e uma leva de monges construtores e arquitetos. Quando o monge Augustinus (mais tarde arcebispo de Canterbury — e que não deve ser confundido com o famoso Santo Agostinho) foi enviado à Inglaterra em 598 para converter os bretões, o Papa Gregório I enviou junto vários construtores com ele. Nos escritos do Venerável Beda e de Richard, prior de Hagustald, há frases e palavras que também estão no edito de Rothari e no Memoratório de 713 do rei Luitprand, o que mostra que esses autores conheciam os termos usados pelos mestres comacinos.

Guildas existiram em Roma desde os tempos de Numa Pompilius (753–673 a.C.), segundo rei de Roma. Foi ele, aliás, que introduziu essas guildas, chamadas collegia. Os 8 collegia que ele criou foram: o de peles, sapateiros, carpinteiros, dos ourives, ferreiros, oleiros, tintureiros e flautistas. Como as construções à época eram de madeira, a alcunha de construtores e arquitetos cabia obviamente aos carpinteiros.

Quando a Itália foi tomada pelos bárbaros e os collegia romanos foram suprimidos, o collegium dos arquitetos de Roma mudou-se para Comum, uma região no norte da Itália junto ao lago Como. Por alguma razão essa região conseguiu ficar imune às investidas bárbaras por quase 150 anos, período em que os mestres construtores puderam se preservar da extinção. Quando finalmente a região foi tomada pelos lombardos, estes de certa forma apoiaram a guilda e é a partir dessa época que se desenvolveu na Itália a construção de basílicas.

Rodrigo Peñaloza
Rodrigo Peñaloza

Written by Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.

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