A Idade das Trevas

Rodrigo Peñaloza
4 min readJul 9, 2023

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Após muitos anos retorno à Escola de Frankfurt para reler os ídolos de minha adolescência: Benjamin, Adorno e Horkheimer. Somando a paixão pela Filosofia à paixão pela Matemática, de alguma forma recaí na Economia e foi-me necessário um árduo caminho para entender todas as implicações filosóficas da Economia sobre as visões fantasiosas do marxismo acerca das bases econômicas da sociedade. É uma tragédia cultural que Hayek não esteja disponível nas escolas como o antídoto contra a infecção marxista em nossa cultura. Se nem Homero, Hesíodo e Cícero nossos jovens lêem, que dirá lerem Hayek?

Basicamente o que Horkheimer fez com sua teoria crítica (Teoria Tradicional e Teoria Crítica, 1937) foi levar a visão marxista de modo de produção e luta de classes para dentro do âmbito da metodologia da pesquisa científica. Eu considero que esses dois pontos são os dois gumes do punhal intelectual de Marx contra as conquistas morais da Civilização Ocidental desde Homero. Cada cabeça da Hidra de Lerna que é o marxismo pós-Marx tem esse punhal como língua, cada uma atacando um pilar diferente da Civilização. Materia pugionis est odium (a substância do punhal é o ódio).

A Horkheimer em particular, e à Escola de Frankfurt em geral, coube destruir a ideia de domínio da Razão sobre a Natureza. O método positivo “tradicional” se ilude ao pressupor que o cientista possa tomar a Natureza como dada e “matematizá-la”. Horkheimer fala com desprezo sobre esse procedimento que as ciências em geral, inclusive as históricas e sociais, importaram da Física. Esse seria, para ele, o modo de produção do cientista burguês. Depois de falar da natureza social dos instrumentos e até dos interesses de pesquisa historicamente condicionados, numa óbvia alusão à ideia marxista de trabalho abstrato, e assim reforçar o papel da práxis na atividade científica (que é a postura ativa transformadora da sociedade - do capitalismo para o socialismo, evidentemente - e libertadora do indivíduo - porque a práxis exige deste a consciência dessa relação de interdependência entre o indivíduo e a natureza social do trabalho), ele vem com o que eu considero uma pérola: que se poderia inverter a frase "as ferramentas são o prolongamento dos órgãos humanos" na frase "os órgãos também são o prolongamento das ferramentas" (na edição de 1983 da coleção Os Pensadores, "Benjamin, Habermas, Horkheimer, Adorno", vide p. 126). Isso realmente resume o substrato mental dessa Horda das Trevas: “noli deflectere de bestialitate” (não queira afastar-se de sua natureza animal), dictum que ele adapta ao campo de práxis que lhe coube. Não nego que as ciências tenham um aspecto social, mas rejeito veementemente qualquer explicação marxista. Quanto à práxis do cientista crítico, diz Horkheimer (idem, p. 136):

[A] função da teoria crítica torna-se clara se o teórico e a sua atividade específica são considerados em unidade dinâmica com a classe dominada de tal modo que a exposição das contradições sociais não seja meramente uma expressão da situação histórica concreta, mas também um fator que estimula e que transforma.

Aponho a isso outra pérola (apud Antiseri e Reale, Filosofia, vol.3, cap. 35 p. 727, edição de 2018), em que Horkheimer diz que a civilização industrial está doente na raiz, ou seja, no fundamento de sua ideia de racionalidade, e que a doença da Razão é o fato de que ela nasceu da “necessidade humana de dominar a natureza”. Em suma, ele realmente acredita que Marx conseguiu captar a verdade das leis da História e seus movimentos e usa o punhal para sua práxis. Claro, no Capitalismo, em razão de seu modo de produção, é que esse domínio é alienante. Nihil aliud quam ipse sermo aliis verbis.

O mais surreal é como esse arcabouço marxista de fundo dominou a pesquisa social no século XX, com as repercursões que vemos hoje.

Aliás, outro servo do Mal dessa mesma escola, Herbert Marcuse também cumpre sua diabólica missão: usar o punhal de Marx na carne da ordem social e da psicanálise. E o faz junto com Erich Fromm. De fato, Marcuse, como Fromm, usa o punhal para justificar “filosoficamente” a desobediência civil, negando à sociedade industrial qualquer conquista moral. Tudo nela é opressor. Não surpreende, portanto, que ele o tenha feito nos anos 60 com Eros e Civilização e o Homem Unidimensional ou a Ideologia da Sociedade Industrial. Erich Fromm também. A pérola de Fromm é usar o mito de Adão e Eva e o do fogo de Prometeu para ilustrar sua tese de que todo progresso humano começa com uma desobediência. O que era para ilustrar mitologicamente o domínio da Razão sobre a Natureza passa a sugerir a desobediência civil contra a ordem burguesa dominante. Paris 1968 agradece. Ele se esqueceu, porém, que após a desobediência vem a queda. Na hermenêutica hebraica da Queda, o fruto do Conhecimento não se refere ao conhecimento empírico do Homem sobre a Natureza, mas às suas pretensões de se independizar das Leis Divinas, da Ordem Moral Cósmica. Contra Marcuse, sugiro isso mesmo, Contra Marcuse, de Eliseo Vivas (1971), um filósofo americano que reagiu às sandices de Marcuse como Marcuse merecia.

Quando eu fiz vestibular, na minha redação escrevi sobre Adorno e a indústria cultural. Não me recordo do tema, mas sei que escrevi sobre isso. Penso que isso foi decisivo sobre minha nota e aprovação. As universidades estão dominadas por essa hipnose coletiva.

Creio, porém, na Lei de Progresso, na verdadeira lei moral de progresso. O Bem sempre vence. Depende apenas de nosso livre-arbítrio que esse progresso não venha com dor. Vai demorar muito até essas línguas cortantes da Hidra de Lerna se desvanecerem em pó e em memórias de um passado intelectual tenebroso, este sim a Idade das Trevas de nosso presente.

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Rodrigo Peñaloza
Rodrigo Peñaloza

Written by Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.

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