A ineficiência soviética

Rodrigo Peñaloza
3 min readFeb 22, 2024

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O crescimento econômico tem duas fontes: o aumento dos insumos (ou fatores), tais como do capital físico e do capital humano, e o aumento da quantidade de produto por unidade de insumo (produtividade dos fatores). Como Paul Krugman (prêmio Nobel de 2008) relembra, em The Myth of Asia's Miracle, aumentos na produtividade do trabalho nem sempre são causados por aumentos de eficiência, mas sim porque o trabalho vem combinado com mais capital. Pela lei dos retornos marginais decescentes, o uso mais intensivo de capital, para um dado estoque de trabalho, corresponderá a uma taxa de crescimento cada vez menor. A produtividade total dos fatores é uma medida da eficiência com que a economia combina a totalidade de seus fatores para produzir produto.

O que aconteceu na URSS foi exatamente isso. O estado soviético possuía uma imensa capacidade de deslocar recursos da economia. Milhões de trabalhadores rurais foram deslocados para as fábricas (e inicialmente para as fazendas coletivas), milhões de mulheres foram conduzidas para a força de trabalho nas fábricas e milhões de homens forçados a trabalhar mais horas. Conjuntamente, programas massivos de educação tornaram o povo soviético (à época: russos, ucranianos etc.) um povo altamente educado, conhecido por sua excelência nas artes, nos esportes e nas ciências. Entretanto, isso não correspondeu a aumentos de produtividade da mão-de-obra. Nas palavras de Krugman, “[s]e a economia soviética tinha uma força especial, essa força foi a sua habilidade para mobilizar recursos, não a sua habilidade para usá-los eficientemente”.

A conclusão óbvia era a redução das taxas de crescimento ao longo do tempo. De fato, é o que os dados mostram. Nos anos 60, apesar de ser uma potência política internacional, a URSS era bem menos eficiente que os Estados Unidos e essa situação apenas piorou ao longo do tempo.

Sabe-se que a educação, ou seja, a formação de capital humano, é fundamental para o aumento da produtividade da mão-de-obra e, por conseguinte, do crescimento econômico e social do país. O ponto que eu acrescento aqui é que, apesar da alta taxa de educação do povo soviético, esse capital humano não se materializou em aumentos de produtividade (para um dado estoque de capital) precisamente pelo fato de os retornos de produtividade não serem incorporados pelos trabalhadores na forma de salários que refletissem a verdadeira produtividade marginal do trabalho, pois só o mercado livre é capaz de sinalizar essa produtividade.

No regime stalinista, os salários eram determinados arbitrariamente por um método chamado piece-rate system, introduzido no primeiro plano qüinquenal em 1928. Basicamente, os trabalhadores eram pagos de acordo com o número de horas que trabalhavam, não pelo quanto eles produziam.

Depois de Stálin, em especial a partir de Nikita Chrushtchiov, várias reformas salariais foram implementadas, de modo a gerar mais incentivos nos moldes “capitalistas”. Salários mais baixos foram aumentados, os mais altos foram reduzidos. O número máximo de horas semanais foi reduzido de 48 para 41. O sistema de piece-rates foi substituído por um one-off bônus por atingimento de quota. Por exemplo, um engenheiro não poderia receber mais que 20% de seu salário usual caso produzisse mais. Em 1956, 75% dos trabalhadores soviéticos recebiam de acordo com o piece-rate system, mas em 1962 esse número já caiu para quase 60%.

Mesmo assim, os salários estavam sujeitos a regras arbitrárias e, principalmente, às vontades eventuais dos gerentes. De fato, em economias com direitos de propriedade mal definidos, como nos regimes de natureza socialista, fatores não-pecuniários (como redes de contato, discriminação, suborno etc.) passam a ser mais preponderantes que os pecuniários na determinação das transações. Por exemplo, quando um oficial do governo visitava uma fábrica para verificar se as metas estavam sendo cumpridas, o gerente fazia com que o oficial chegasse numa sexta-feira. O gerente o hospedava pelo fim de semana, “batia um papo”, dava uma caixa de vodca de presente e assim, na segunda-feira, o relatório era falseado conforme as conveniências. Até mesmo em pequenas transações do dia-a-dia, pequenos subornos passaram a existir. É o que chamamos aqui de “molhar a mão”.

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Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.