A lambança estética da Globo-Lixo
Toda vez que acidentalmente me vejo na infeliz circunstância de presenciar alguma sequência de cenas das novelas da Globo, em geral porque estou passando pela sala e a TV, contra minha vontade, está sintonizada nesse canal, o que vejo é o seguinte: uma cena trágica de um grupo de personagens dramáticas saltar imediatamente para um cena cômica com o núcleo burlesco da novela.
As novelas da Globo têm pelo menos dois núcleos, um trágico e um cômico, que se interrelacionam pelas beiradas e intermitentemente via personagens-chave que transitam entre os núcleos. É uma lambança estética que me faz lembrar dos meninos quando, certa vez, os flagrei misturando salaminho com nutella no mesmo pão, porque gostavam dos dois mas ainda eram presos da ânsia de ter tudo de uma só vez. Não aproveitaram nem a gordurinha salgada do salaminho nem o doce da nutella. Adultos também são presas fáceis daquilo que eu chamo de fast-food estético: a experiência rápida e superficial das emoções. A arte tem leis estéticas. Quem diz que tudo é arte - desculpem-me a expressão - é porque não entende nada. E isso não tem a ver só com a arte: tem a ver com a linguagem em geral.
Cícero, em um opúsculo sobre os gêneros de oradores, já começa estabelecendo essa crucial diferença:
“Portanto, tanto na tragédia o cômico é um erro, como é torpe na comédia o trágico; e nos outros [gêneros] há para cada um tanto uma apropriada inflexão da voz como, para os que entendem, um certa palavra conhecida”.
“Itaque et in tragoedia comicum vitiosum est et in comoedia turpe tragicum, et in ceteris suus est cuique certus sonus et quaedam intellegentibus nota vox”. - Cicero, De Optimo Genere Oratorum, 1.1.
Desligue a Globo-Lixo e leia Cícero.