A tradição platônica e a ruptura do Ocidente

(Rodrigo Peñaloza, 22-III-2025)
Para Tomás de Aquino, a vontade depende do intelecto; para Duns Scotus, não. A vontade, para Scotus, independe do intelecto e não precisa ser justificada por ele. A doutrina voluntarista de Scotus abriu as portas para que William of Ockham negasse a possibilidade de conhecimento dos universais. A negação dos universais era uma consequência lógica do voluntarismo de que Ockham se aproveitaria mais tarde. Afinal, se o intelecto reconhecesse um universal como bom e verdadeiro, como justificar que a vontade decidisse pelo oposto? Segundo Ockham, não existe o universal, apenas um flatus voci convencional, um nome.
O nominalismo e sua variante, o conceptualismo, são o início da ruptura da Civilização Ocidental. Essa ruptura, segundo penso, fraturou o Ocidente em dois pontos. O primeiro foi a teoria do conhecimento aristotélico-tomista, especialmente quanto ao papel do intelecto agente na simples apreensão do conceito e na captura dos universais. O problema causado por essa fratura foi tão grave, que culminou nas duas visões epistemológicas da Modernidade: o racionalismo e o empirismo. Embora radicalmente opostos, expressões da dicotomia entre dualismo e monismo, ambas visões compartilham da mesma base: a negação do hilemorfismo, a ideia de que matéria e forma são componentes inseparáveis da substância. Não entrando em detalhes, basta com dizer que o materialismo comumista, que matou milhões de seres humanos no século XX, e a loucura relativista e identitária woke do século XXI decorrem dessa ruptura. O outro ponto de ruptura é a separação entre Razão e Fé, com todas as nefastas consequências de que já temos tido evidência.
Se analisarmos de forma bastante sintética a natureza da fratura, veremos que, no fundo, trata-se da mesma luta que Sócrates empreendeu contra os sofistas, particularmente Protágoras e Górgias, para os quais o Homem não pode conhecer a verdade (não pode conhecer os universais, tais como o justo, o bom, o belo etc.) e, se a conhece, não pode transmiti-la. “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João, 8:32). Para o nominalista, ou seja, para a Modernidade, não há verdade, apenas aproximações incertas. A liberdade moderna é uma ilusão, nada mais que um nome bonito para o voluntarismo.
Como resume Peter Kreeft em seu livro “The Platonic Tradition”, a guerra pela sobrevivência da Civilização Ocidental é uma guerra entre a Tradição Platônica que moldou o Ocidente, fundada sobre o realismo filosófico aristotélico-tomista, e as filosofias de origem nominalista, que nada mais são, do meu ponto de vista, que revivescências dos mesmos erros sofistas.
De que serviram os diálogos de Platão se Protágoras e Górgias ainda seduzem o Ocidente? O esforço de Sócrates pela educação intelectual do Ocidente ainda não se fez eficaz. É curioso observar que, da mesma forma, a vinda de Jesus ainda não tenha provocado nos homens a transformação moral que a pedagogia do Cristo trouxe a nós. Quer gostem ou não os que se julgam “civilizados pela ciência”, a síntese de tudo isso foi-nos dada por Tomás de Aquino, que, para mim, é um Aristóteles redivivo e lapidado pelo Cristianismo. A identidade da Civilização Ocidental é a Tradição Platônica como matéria e o Cristianismo como forma. Metaforicamente, é essa nossa composição hilemórfica.
É necessário que voltemos à metafísica aristotélico-tomista. Existe uma ignorância até certo ponto enervante naqueles que rejeitam essa necessidade com base em argumentos filosóficos fracos. Por exemplo, naqueles que tomam a crítica kantiana como o tiro de misericórdia contra a metafísica. Nada mais estúpido! Também naqueles que reduzem a filosofia a meros jogos de linguagem. Uma coisa é certa. A evolução do Pensamento definitivamente não é linear, ou seja, isomorfa ao tempo. Kant não é melhor que Tomás de Aquino, mas Tomás de Aquino avançou além de Aristóteles. A Escola de Frankfurt é posterior a Kant, mas é um jardim de infância comparada à Academia, ao Liceu e ao Tomismo.
O Intelecto precede a Vontade, pois para querer o Bem devemos saber o que é bom. Todo esforço de trazer de volta nossas raízes greco-latinas e cristãs é urgente.