Caminho para o equilíbrio: tâtonment ou arbitragem?

Rodrigo Peñaloza
4 min readSep 11, 2024

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(Rodrigo Peñaloza, agosto de 2015)

De acordo com Walras, o processo de ajuste de mercado ou o caminho para o equilíbrio se dá pelo ajuste de preços conforme haja excesso de demanda ou de oferta agregada. A esse processo Walras deu o nome de tâtonment. Uzawa, Debreu e outros formalizaram essa ideia mediante um sistema dinâmico em que o vetor de preços converge para preços walrasianos por um processo de ajustes simultâneos ou sucessivos. O próprio Walras não foi muito claro quanto ao que isso significa. A despeito de sua aparente elegância, o tâtonment não convence. A arbitrariedade da lei dinâmica que rege o processo é justificada pela assunção de um ente onisciente ao qual a Teoria costumou chamar de "leiloeiro walrasiano". Na moderna Teoria de Equilíbrio Geral, o caminho para o equilíbrio se dá de outra forma: arbitragem.

Arbitragem, grosso modo, é comprar barato pra vender caro. Mas é importante entender o que significa. Em equilíbrio vale o que Jevons denominou de Princípio Equimarginal: as taxas marginais de substituição (TMS) entre dois bens em equilíbrio igualam os preços relativos de equilíbrio e, como os preços são os mesmos para todos os agentes, então as TMS's são igualadas entre os agentes. O problema é: o que ocorre quando elas não são iguais? Impor uma lei dinâmica de nível agregado (tâtonment) não explica como os agentes agem de fato no nível privado. É aqui que entra a arbitragem. Vou dar um exemplo.

Há três bens (z, y e z) e três consumidores com as seguintes utilidades e dotações iniciais:

U¹(x,y,z)=x, e¹=(0,1,0)
U²(x,y,z)=y, e²=(0,0,1)
U³(x,y,z)=z, e³=(1,0,0)

Explicando: o consumidor 1 só gosta de x, mas só tem 1 unidade de y; o consumidor 2 só gosta de y, mas só tem 1 unidade de z; o consumidor 3 só gosta de z, mas só tem 1 unidade de x.

Por alguma razão, o consumidor 2, por exemplo, percebe a diferença entre as TMS's dos consumidores 1 e 3: o consumidor 1 está disposto a abrir mão de 1 unidade de y por 1 de x; o o consumidor 3 está disposto a abrir mão de 1 unidade de x por 1 de z. O problema é que eles não têm interesse em negociar bilateralmente, pois 1 não tem o z que 3 quer.

É aí que o consumidor 2 oferece a 1 um contrato: 2 dará a 1 uma unidade de x em troca da unidade de y. O consumidor 1 tem interesse nisso, pois, sem troca, sua utilidade é 0 e, com o contrato, será 1.

Feito o acordo, ele vai até o consumidor 3 e oferece outro contrato: 2 dará a 3 uma unidade de z em troca da unidade de x. O consumidor 3 aceita pelas mesmas razões de 1 e faz a troca. O consumidor 2 dá seu z a 3 e recebe em troca x. Então ele vai até o consumidor 1 e lhe dá esse x em troca de y. O resultado final é a alocação:

f¹=(1,0,0)
f²=(0,1,0)
f³=(0,0,1)

Como z foi trocado por x à taxa de 1:1, os preços relativos dos bens x e z são iguais a 1; como y foi trocado por x à taxa de 1:1, os preços relativos dos bens y e x são também iguais a 1. Logo:

TMS¹=TMS²=TMS³=1

ou seja, vale o Princípio Equimarginal. O que faltava era a Teoria explicar o que engatilha a arbitragem. De acordo com a Escola Austríaca, é o "alertness", um estado de alerta diante dessas oportunidades de ganho. Israel Kirzner aplicou essa ideia muito bem à noção de "empresário". Na Teoria Econômica mainstream essa ideia também foi incorporada. Note que cada agente não tem que conhecer todas as TMS's, apenas aquelas que lhe interessam, tal como o conhecimento fragmentado dos preços de mercado de que fala Hayek.

Ao mesmo resultado se chega pela modelagem walrasiana: se p,q,s são os preços de x, y e z, respectivamente, e dadas as utilidades e as dotações iniciais, as demandas marshallianas dos agentes são:

f¹(p,q,s)=(q/p,0,0)
f²(p,q,s)=(0,s/q,0)
f³(p,q,s)=(0,0,p/s)

Por exemplo, 1 resolve:

max x
s.a. px+qy+sz=q

Claramente y=z=0 e o consumidor gasta toda sua renda em x. Similarmente para os outros. Como há 3 bens, precisamos de market clearing em dois mercados, por exemplo, x e y. Em x, demanda agregada iguala oferta agregada:

q/p+0+0=0+0+1

ou seja, q/p=1 ou p=q. Fazendo o mesmo no mercado de y, encontramos s/q=1 ou s=q. Isso implica que s=p ou p/s=1. Todos os preços relativos são iguais a 1. Logo as cestas de equilíbrio são:

f¹=(1,0,0)
f²=(0,1,0)
f³=(0,0,1)

e os preços de equilíbrio são p=q=s.

O fato é que a moderna modelagem do caminho para o equilíbrio não é mais tâtonment, embora até hoje seja um capítulo de livros-textos. O modo aceito hoje é o da exploração das oportunidades de arbitragem, que nada mais são do que ganhar com as diferenças entre as TMS's dos agentes.

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Rodrigo Peñaloza
Rodrigo Peñaloza

Written by Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.

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