Cicero cum Hayek
(Rodrigo Peñaloza, 2023)
Cícero, em seu tratado De Re Publica, refere-se a Catão para dizer que o sucesso da República Romana repousava no fato de que, ao contrário dos outros povos, suas leis e suas instituições não foram o resultado da ação deliberada de um único homem de gênio, nem uma criação que se tivesse dado em uma única geração, mas sim o resultado lento e espontâneo de muitas gerações ao longo da história, de homens que nunca tiveram a pretensão de prever o futuro nem de considerar a sociedade como algo que se pudesse abarcar e controlar. Hayek (Law, Legislation and Liberty) identifica o sucesso de Roma à ausência de imposição de qualquer ordem deliberada (τάξις) sobre a ordem espontânea (κόσμος) da sociedade.
Is dicere solebat ob hanc causam praestare nostrae civitatis statum ceteris civitatibus, quod in illis singuli fuissent fere, qui suam quisque rem publicam constituissent legibus atque institutis suis, ut Cretum Minos, Lacedaemoniorum Lycurgus, Atheniensium, quae persaepe commutata esset, tum Theseus, tum Draco, tum Solo, tum Clisthenes, tum multi alii, postremo exsanguem iam et iacentem doctus vir Phalereus sustentasset Demetrius, nostra autem res publica non unius esset ingenio, sed multorum, nec una hominis vita, sed aliquot constituta saeculis et aetatibus. Nam neque ullum ingenium tantum extitisse dicebat, ut, quem res nulla fugeret, quisquam aliquando fuisset, neque cuncta ingenia conlata in unum tantum posse uno tempore providere, ut omnia complecterentur sine rerum usu ac vetustate.
Tradução:
Ele [Catão] costumava dizer que o estado de nossa sociedade civil [Roma] se excede ao das outras sociedades porque nestas últimas existiram praticamente apenas homens isolados que construíssem a república por suas leis e instituições, tais como Minos em Creta, Licurgo na Lacedemônia, e, em Atenas, que tão frequentemente mudou [seu governo], Teseu, Draco, Sólon, Clístenes e tantos outros, até que, exângüe e já caída, a tivesse amparado Demétrio, o douto de Falério; e que a nossa República, porém, não é o engenho de um único homem, mas de muitos, nem de uma só geração, mas foi construída por muitas gerações ao longo dos séculos e das idades, pois dizia não ter se sobressaído um único espírito sequer a quem nada fugisse, não ter havido eventualmente qualquer um, nem um ajuntamento de homens brilhantes ter podido a um só tempo e em um só lugar tudo prever, a fim de que tudo abarcassem, sem o uso da experiência e da antiguidade. - Cicero, De Re Publica, II.2.2.