Competição, evolução e teoria dos jogos

Rodrigo Peñaloza
3 min readDec 15, 2023

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Figura: Jogo do "matching pennies" (MP) ou pareamento dos tostões. O MP não possui equilíbrio de Nash em estratégias puras. O equilíbrio de Nash em estratégias mistas prescreve comportamento aleatório de Bernouli 50%-50%.

Não é incomum vermos um certo desprezo pelo jogo de MATCHING PENNIES, abreviado MP. Não é pelo fato de não ter um equilíbrio de Nash em estratégias puras, mas pelo equilíbrio de Nash em estratégias mistas passar um ar de que o comportamento puramente aleatório do tipo 50-50 (fifty-fifty) é um resultado sem significado relevante. As pessoas o acham um tanto sem graça e o veem apenas como um exemplo sem qualquer importância. O problema é que há mais nesse jogo do que parece.

Enfatizo aqui dois pontos importantes, um de natureza analítica e outro de natureza experimental.

Analiticamente, o jogo MP mostra que o comportamento aleatório 50-50 é racional quando levamos em conta que os jogadores formam crenças sobre o comportamento do seu adversário. Particularmente, no caso binário em que o equilíbrio de MP em estratégias mistas prescreve um comportanento do tipo Bernoulli com parâmetro p = 50% para cada estratégia, podemos recorrer ao significado epistêmico dessa distribuição. Ela é a distribuição uniforme de uma variável aleatória binária. Na ausência de qualquer razão suficiente que faça uma alternativa ser mais provável que outra e, dessa forma, que uma seja mais predizível que outra, temos então ignorância estatística absoluta sobre os resultados e, nesta situação, todos os resultados são igualmente prováveis. É o famoso Princípio da Razão Suficiente (ou insuficiente) de Laplace.

Imagine uma lebre fugindo de uma raposa. Se a sua fuga não tivesse escape para as laterais com a distribuição de Bernoulli de parâmetro 50%, o seu comportamento seria razoavelmente previsível e, portanto, a raposa evolucionaria para capturar a lebre com mais facilidade. Isso mostra como, na natureza, esse tipo de comportamento puramente aleatório é uma estratégia de sobrevivência ótima. Muitas vezes pensamos que o racional é apenas aquilo em que pensamos, mas pode ser também o resultado de nossa evolução biológica, ainda que sequer nos demos conta disso.

Do ponto de vista experimental existem resultados muito interessantes e bastante consolidados. O que se descobriu é o seguinte. Quando se pede a uma pessoa para ditar uma série longa binária aleatória, os testes mostram que não há, de fato, muita aleatoriedade nas séries que as pessoas anunciam. Porém, quando se pede a mesma coisa, mas se coloca a pessoa numa situação de competição, os experimentos mostram que as séries anunciadas são verdadeiramente aleatórias. Isso mostra que existe um mecanismo na mente humana que prescreve aleatoriedade pura quando o indivíduo está sob competição, mostrando que o ser humano evoluiu para reagir, sob competição extrema, de acordo com o que prescreve o MP.

Como consequência, podemos refletir sobre aquelas doutrinas políticas e econômicas que condenam a competição, pois o que elas proclamam é uma violação à própria natureza humana. Evoluímos para competir. É a competição que nos motiva ao progresso e somos aptos a competir. Durante a Segunda Guerra, os submarinos alemães acabaram adotando essa estratégia de randomização quando perseguidos pela Marinha americana.

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Rodrigo Peñaloza
Rodrigo Peñaloza

Written by Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.

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