Custos: a visão de Alchian
Tem gente que diz que o custo marginal da Q-ésima unidade é o custo de se produzir 1 unidade a mais. Por exemplo, se eu produzi Q=9 ao custo total de $452 e se, para produzir a 10a unidade, eu tiver que pagar $38 a mais, então o custo marginal da 10a unidade é CMg(Q=10)=$38.
Não é bem assim. A variável Q que você vê na função de custo c(Q) ou no isoquantum f(K,L)=Q - ou mesmo a variável X que você vê na função de utilidade u(X,Y) - não denota um valor absoluto, como 10 unidades, 20 unidades etc. Ela denota uma taxa por unidade de tempo. Por exemplo, a semana. Quando se diz que o custo total de produção de Q=9 é $452, isso deve ser lido assim: para produzir Q=9 por semana, a empresa gasta $452, ou seja, paga aos fatores de produção $452, desde que esses $452 representem o valor do total das alternativas sacrificadas pelos proprietários dos fatores produtivos ao alocá-los para a produção do bem em questão, em vez de usá-los nas suas melhores alternativas.
Para calcularmos o custo marginal da 10a unidade, devemos, em primeiro lugar, saber qual seria o custo total da produção de Q=10 unidades por semana. Em segundo lugar, calculamos a diferença c(10)-c(9). É a isso que chamamos custo marginal da 10a unidade: CMg(10)= c(10)-c(9). Observe que isso é simplesmente uma versão discreta do conceito de derivada, como deveria ser bem sabido de todos. Muitos, porém, não conseguem percorrer a ponte entre a definição matemática de derivada como razão incremental, na margem, e a leitura correta de um dos mais importantes conceitos econômicos. O custo marginal da 10a unidade é a diferença de custos totais que a empresa tem se, em vez de produzir a uma taxa de 9 unidades por semana, ela produzisse 10 unidades por semana.
Se você erroneamente considerar a variável Q em sentido absoluto (e não como uma taxa), você cometerá erros graves, como o daqueles que propagam custos marginais decrescentes e tendentes a zero na sociedade moderna. Você estará confundindo a taxa Q com o volume total de produção.
Imagine que você planeja um volume total de produção de V=900 unidades. Você pode produzir esse volume a uma taxa de 9 unidades por semana durante T=100 semanas (aproximadamente dois anos). Pode, diferentemente, produzir à taxa de 10 unidades semanais durante T=90 semanas. O parâmetro Q que aparece no isoquantum f(K,L)=Q não é o volume V=900, mas sim a taxa semanal: Q=9, Q=10 etc.
O fato é que nos livros essas nuances do volume V de produção e do tempo planejado T de produção não aparecem, mas devem seriamente ser considerados. Elas não aparecem porque o papel do tempo é anulado nos modelos. Quanto a V, o que se faz nos livros é V=infinito, ou seja, a empresa decide apenas a taxa Q. Quanto ao tempo T, ele só aparece na distinção entre curto-prazo e longo-prazo, que são os dois extremos didáticos de um espectro contínuo de prazos, que eu assim defino: o prazo é o grau de facilidade com que a empresa pode ajustar sua produção às condições variantes do mercado. Por exemplo, suponha que a taxa de produção Q se mede em trimestres. Se, em reação a um aumento súbito da demanda, o qual a empresa conjectura ser permanente, a empresa conseguir ajustar livremente seus fatores para aumentar a oferta (por trimestre), então ela está no longo-prazo. Se, ao contrário, existir algum fator cujo ajuste não compense e que, ipso facto, seja racional mantê-lo fixo, então isso é o curto-prazo. Como existem diversos fatores, a empresa tem maior ou menor facilidade para ajustar cada um deles dentro do trimestre. Por exemplo, se a empresa pudesse, aumentaria o uso de um fator em 5 unidades. Porém, ela só consegue aumentar em 3 unidades. A isso chamo médio-prazo. Portanto, curto-prazo e longo-prazo são simplificações didáticas. De fato, no curto-prazo, a empresa não consegue aumentar, já no longo-prazo ela aumenta em 5 unidades: é tudo ou nada. Essa é a diferença entre curto e longo prazos. A realidade, porém, é o meio-termo.
A função custo, na verdade, é uma função c(Q,V,T). Eis a visão de Armen Alchian! Dados V e T, temos o que normalmente aprendemos nos livros. Se você, por exemplo, estiver produzindo Q=9 unidades semanais para cumprir um volume de produção de V=900 unidades findo o tempo de T=100 semanas, e eventualmente considerar a possibilidade de um volume de produção maior, digamos, V=1.000, à mesma taxa de 9 por semana, você precisará de pouco mais de 111 semanas. Como esse tempo é maior, a noção de prazo em Economia nos permite admitir que a empresa terá mais flexibilidade na alocação de seus recursos, o que, pelo Princípio de Le Chatelier (vide Paul Samuelson), implica uma função custo total por semana menor. Isso implica um custo marginal menor. De fato, se para alguma taxa de produção, esse custo marginal fosse maior, eventualmente as duas curvas de custo total (para volumes diferentes) se cruzariam, o que não tem sentido, porque o prazo no primeiro caso é menor que no segundo, para qualquer taxa de produção. Assim, ao confundir Q com V, você será levado a acreditar que os custos marginais caíram. Esse é erro básico que os defensores da tese do custo marginal zero cometem.
Esses esclarecimentos já são antigos na Teoria Econômica. Sobre isso, devemos especial reverência a Armen Alchian, Jack Hirshleifer, Harold Demsetz e outros. Bons livros-textos ensinam isso, como o de Armen Alchian & William Allen, o de Paul Heyne, o de David Friedman (que filho de Milton Friedman, o prêmio Nobel) e mais alguns. Infelizmente, bons livros não equivalem a livros populares.
O artigo clássico de Armen Alchian no qual ele considera que o custo, além de tradicionalmente ser função da taxa de produto Q, é também função do tempo de planejamento T e do volume total planejado V para o tempo T, é:
Alchian, A. (1958): “Costs and outputs”. Rand Corporation, P-1449.
Esta é a versão working-paper. O artigo foi posteriormente publicado em:
Alchian, A. (1959): “Costs and outputs”, in Abramovitz et alii, The Allocation of Economic Resources: Essays in Honor of B. F. Haley, Stanford University Press.
No artigo Alchian estabelece diversas relações entre a curva de custo marginal e os parâmetros V e T de volume e tempo. Convido o leitor a se embrenhar voluntariamente nas nuances desse brilhante artigo. Para ilustrar, considere duas empresas com a mesma tecnologia de produção e produzindo à mesma taxa Q. Ambas têm contratos para o mesmo volume V de produção. Porém, a segunda tem um horizonte de tempo T maior para entrega do volume. Devido ao tempo maior, ou seja, um prazo maior, a empresa tem mais flexibilidade na contratação dos fatores e, com isso, pode apresentar custos marginais menores. Isso mostra que os custos marginais não são um elemento meramente tecnológico. Pode haver uma influência institucional das relações contratuais. No que concerne à produção, tecnologia e relações contratuais são elementos interligados.