Das críticas à racionalidade e ao modelo neoclássico

Rodrigo Peñaloza
6 min readJan 23, 2025

--

Armen Alchian, 1914–2013.

Um dos artigos mais impactantes do século XX é o artigo “Uncertainty, evolution, and economic theory”, de Armen Alchian (1950), Journal of Political Economy, 58: 211–221. Ele mostra que a Teoria Econômica não pressupõe — e nem precisa pressupor — que as firmas maximizam lucro. Mesmo em um mundo de incerteza, informação incompleta e conhecimento imperfeito, o modelo neoclássico de maximização de lucros é relevante e funciona. Obviamente o insight de Alchian se estende também ao modelo de maximização da utilidade. Em outras palavras, ele diz respeito ao modelo neoclássico em geral, no qual os agentes são otimizadores. Usarei, portanto, o termo payoff como gênero próximo de lucro e utilidade.

Alchian reconhece que, na vida real, a maximização do payoff não é um bom guia para prever a ação humana, em razão justamente da incerteza e do conhecimento imperfeito. Por incerteza aqui pode-se entender incerteza não-probabilizável ou o que os heterodoxos chamam de incerteza genuína ou radical. Sob tais circunstâncias, a maximização de payoff, segundo Alchian e todos seus intérpretes, não faz muito sentido. Eu, particularmente, considero que ainda assim faz sentido, bastando aceitar tais circunstâncias como restrições naturais da vida, mas isso não vem ao caso. No contexto das firmas, em vez da maximização do lucro, o indicador de eficiência são os lucros positivos ex post. Isso vem de um fato elementar: empresas que fazem lucro negativo não sobrevivem. Enquanto os lucros forem positivos, a firma tem chances de sobreviver. Com o tempo, o mercado seleciona as firmas com maiores lucros positivos.

Milton Friedman reforça essa observação em “The methodology of positive economics” (in: Essays in Positive Economics, Chicago University Press, 1953):

“A menos que o comportamento dos empresários de alguma forma ou de outra se aproxime de um comportamento consistente com a maximização dos retornos, parece improvável que eles permaneçam no negócio por muito tempo, seja qual seja o aparente determinante imediato do comportamento empresarial — reação habitual, aleatoriedade ou o que for. Sempre que esse determinante conduzir a um comportamento consistente com a maximização racional e informada dos retornos, o negócio prosperará e adquirirá recursos com os quais se expandir; no caso contrário, o negócio tenderá a perder recursos e só poderá se manter pela adição de recursos externos.”

Como, então, atuam os empresários? Segundo Alchian, de acordo com um comportamento adaptativo intencional, o qual se divide basicamente em dois tipos: tentativa-e-erro e imitação. A imitação explica a aparente uniformidade no mercado, ao passo que o método de tentativa-e-erro explica as inovações.

Imagine que há 6 empresários, A, B, C, D, E e F. Nenhum deles é um computador ambulante com perfeita informação e nem sai por aí maximizando lucro. Eles simplesmente tomam suas decisões da melhor forma dentro das circunstâncias em que cada um se vê imerso. A alguns são mais ousados, outros mais cautelosos. Algum pode até ser maluco. Isto posto, eles obtêm os seguintes lucros: A=$100, B=$80, C=$20, D=$10, E=$1, F=-$30 Se F, que teve lucro negativo, não conseguir recursos externos ou não se recuperar, ele será expulso do mercado. C, D e E, que tiveram baixos lucros positivos, comparativamente a A e B, observam A e B e tentam imitá-los. Talvez D, por ser mais cauteloso e menos informado, apenas observe C, que tem um lucro mais próximo do seu, e tente imitá-lo. Talvez E seja mais ousado e tente uma estratégia inusitada, por tentativa-e-erro. No fim das contas, C aprendeu com A e B e subiu seu lucro para $85; D não percebeu que lhe falta uma certa firmeza d’alma para lidar com os fornecedores e tem prejuízo de $5; E, que fez uma jogada ousada, se deu bem e obteve lucro de $80; finalmente, A e B mantiveram seus padrões de administração e ambos fizeram lucro de $90. Assim:

A=B=$90, C=$85, D=expulso, E=$80, F=expulso

O mercado seleciona aqueles que persistentemente fazem os maiores lucros, de modo que o economista pode usar o modelo neoclássico de maximização de lucro para prever o comportamento, porque, mesmo que ninguém se comporte racionalmente, ainda assim o modelo será um bom previsor.

Não é necessário que o tomador-de-decisão da firme atue racionalmente (conforme o modelo neoclássico) para que a firme atue como se, de fato, fosse racional.

Foi o insight de Alchian que motivou Gary Becker a diferenciar o efeito-preço composto de Slutsky daquilo que Becker denominou de efeio-preço puro. Em seu artigo “Irrational behavior and economic theory” (Journal of Political Economy , 70: 1–13), Becker (1962) mostra que, mesmo que todos os agentes sejam radicalmente irracionais, ainda assim o efeito-preço puro será negativo, validando a Lei de Demanda e mostrando que ela não é uma lei decorrente da racionalidade, mas sim da escassez. Se Alchian argumentou em seu artigo em termos da oferta individual e agregada, Becker formalizou esse insight para o contexto da demanda agregada.

O artigo de Alchian também tem implicações para a Economia Comportamental, ou melhor, para o uso intencional dos resultados da Economia Comportamental como arma contra o modelo neoclássico. Eventuais evidências de que os agentes não são racionais, de que não detêm informação perfeita ou que não atuam como computadores ambulantes, ou seja, de que apresentam viés comportamental, em nada invalidam o modelo neoclássico de maximização de lucro e de utilidade. Vejam, por exemplo, Manne & Zywicki (2014), “Uncertainty, evolution, and behavioral economic theory”, Journal of Law, Economics, and Policy, 10: 555–580.

Outra consequência do artigo de Alchian é que, quando os agentes são irracionais, surgem oportunidades de lucro para agentes comparativamente mais racionais, de modo que, com o tempo, não apenas o mercado selecione os agentes que se comportam de acordo com a maximização do payoff, mas que também surjam inovações que melhoram a eficiência do mercado.

Na mesma linha de pensamento, temos o artigo clássico de Jack Hirshleifer (1971), “The private and social value of information and the reward to inventive activity” (American Economic Review, 61: 561-574), em que ele mostra que, mesmo sob competição perfeita, a revelação antecipada de informação pública pode afetar negativamente as decisões privadas de alocação de risco e o balanceamento de portfólios, ou seja, muita informação revelada sem consideração do tempo ótimo pode reduzir o bem-estar. Em termos técnicos, o valor privado da informação pode não coincidir com seu valor social. Por outro lado, sem direitos de propriedade sobre as invenções ou sobre a informação já produzida, existe um efeito de bem público que induz o subinvestimento e gera free-riding.

Assim, aquelas coisas que parecem ser uma deficiência do mercado, como informação imperfeita, informação incompleta, incerteza genuína e até mesmo comportamento irracional, são o gatilho de que o processo seletivo de mercado se vale para o aumento da eficiência econômica e o desenvolvimento por meio de inovações.

As implicações sobre a ratio essendi dos órgãos reguladores são óbvias: no intuito de defender a concorrência e a eficiência, podem acabar por destruí-las. Por isso é fundamental que o quadro de economistas dos órgãos reguladores seja formado por pessoas que realmente tenham boa formação microeconômica. Essa formação vai muito além dos livros-textos, mesmo os mais avançados, como o do Mas-Colell ou os do Tirole, e é muito mais do que equivocadamente pensam os heterodoxos, que, ao proporem suas visões microeconômicas alternativas, menosprezam o modelo neoclássico.

Escreve Alchian em seu artigo: “even in a world of stupid men there would still be profits” (p. 213). Parafraseando-o, mesmo em um mundo de repetidas e ultrapassadas críticas ao modelo neoclássico, ainda assim os homens serão racionais.

_______

Recomendações de leitura:

(1) Alchian, A. (1950):“Uncertainty, evolution, and economic theory”. Journal of Political Economy, 58: 211–221.

(2) Becker, G. (1962): Irrational behavior and economic theory”. Journal of Political Economy , 70: 1–13.

(3) Friedman, M. (1953):The methodology of positive economics”, in: Essays in Positive Economics, Chicago University Press.

(4) Hirshleifer, J. (1971): “The private and social value of information and the reward to inventive activity”. American Economic Review, 61: 561-574.

(5) Manne, G. & T. Zywicki (2014), “Uncertainty, evolution, and behavioral economic theory”. Journal of Law, Economics, and Policy, 10: 555–580.

--

--

Rodrigo Peñaloza
Rodrigo Peñaloza

Written by Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.

Responses (2)