Rodrigo Peñaloza
7 min readSep 23, 2019

Desemprego: custos de busca e custos informacionais
(Rodrigo Peñaloza, 23-IX-2019)

Entendemos por desempregado aquele que está sem um trabalho remunerado ou que está procurando por um. Armen Alchian e William Allen, no capítulo 17 (Unemployment and iddle resources), de Exchange and Production, fazem duas perguntas: Quem são os desempregados? Por que ocorre o desemprego?

Tecnicamente, desempregado é: (1) aquele que está entre empregos, ou seja, que saiu de um, seja voluntária ou involuntariamente, e ainda não foi incluído em outro; (2) ou aquele que procura trabalho pela primeira vez, isto é, que, em vez de aceitar a primeira oferta, prefere ficar sem trabalho esperando uma alternativa melhor.

No primeiro caso, o tempo de desemprego se explica pelos custos de busca (search costs), custos esses basicamente de natureza informacional, embora, ausentes esses, o desemprego se prolongue pelo simples fato de a valoração marginal do desempregado pelo emprego encontrado não ser compatível com a disposição marginal social a pagar pelo trabalhador adicional. Em outras palavras, quando o salário que o desempregado exige para sacrificar lazer (que é o termo técnico que designa toda atividade que não seja trabalho remunerado) é maior do que o máximo que o mercado está disposto a pagar (o salário de equilíbrio). No segundo caso, o benefício esperado atualizado da próxima alternativa de trabalho é maior que o custo incorrido pela recusa presente da oferta de trabalho. Disse “esperado” e “atualizado” porque a ocorrência de uma proposta de trabalho é um processo estocástico. Não devemos nos esquecer que ao conceito de desemprego inere a ideia de tempo.

Há, portanto, dois elementos essenciais que definem o desemprego: busca e avaliação. O intervalo de tempo em que se dão a busca e a avaliação são uma maneira econômica de comparar alternativas de trabalho que têm algum valor para a sociedade.

Respondida a primeira pergunta (Quem são os desempregados? São aqueles que estão entre-trabalhosinter jobs, nas palavras de Alchian e Allen), temos as ferramentas para responder à segunda: Por que algumas pessoas estão entre-trabalhos?

Evidentemente existem aqueles que deixam um trabalho para encontrar uma alternativa melhor. Por exemplo, pessoas que se demitem para se dedicarem à preparação para algum concurso público. A maioria, porém, está entre-trabalhos por causa de mudanças nos mercados. Quando a demanda em um mercado cai, reduzindo a valoração marginal do produto, os recursos são então deslocados para os mercados com produtos mais marginalmente valorados.

Aqui se faz necessário um esclarecimento. Escassez é uma condição inevitável. Portanto, sempre existe mais trabalho a ser demandado. O problema é que não se pode descobrir instantaneamente quais tarefas são mais socialmente valoradas. Isso toma tempo. A palavra-chave aqui é informação, ou melhor, custo de informação. A tese leiga de que automação gera desemprego é um desses erros que separam quem entende os fundamentos da Teoria Econômica de quem não entende. (Vide, e.g., Automação e desemprego, aspectos microeconômicos).

Abrindo um parêntesis, os custos de informação são algo tão importante em economia — e tão pervasivo — que um dos maiores insights de Jack Hirschleifer, um dos pais fundadores da economia da informação e da inovação, é que a informação imperfeita tem um lado benéfico socialmente, na medida em que ela impacta na inovação e na repartição de riscos. Exemplo disso é a literatura de inovação financeira [Vide: Allen & Gale (1994): Financial Innovation and Risk Sharing, MIT Press]. O insight de Hirschleifer está na separação entre os valores social e privado da informação. (Vide: Hausken: “Jack Hirshleifer: a Nobel Prize left unbestowed).

Continuando, devido à escassez, quando há mudanças nos mercados (que afetam o montante de trabalhadores nesses ou noutros mercados), devemos avaliar as oportunidades que se apresentam. Como Alchian e Allen esclarecem, quando compreendemos que o desemprego de recursos é um modo de adaptação a mudanças imprevistas, então o desemprego de recursos não é necessariamente um desperdício econômico.

Para entender isso, basta entender o absurdo de sua negação. Imagine que, sob mudanças de mercado, ou seja, de demandas e ofertas, as pessoas nunca pudessem perder seus empregos e tampouco desistir deles. Se um setor, diante da queda da demanda, não pudesse reduzir o uso de fatores (inclusive trabalho) e substituí-los na margem, em razão das mudanças de preços relativos, geraria ineficiências alocativas e, portanto, real desperdício de recursos. Similarmente, e de forma ainda mais contundente, imagine que você, leitor, diante de uma oferta de trabalho “irrecusável” em um setor, é simplesmente impedido de desistir de seu emprego corrente para aceitar a nova oferta. Todo o potencial excedente perdido é parte do que em Teoria Econômica se denomina deadweight loss ou custo de eficiência, para usar o termo preferido por Arnold Harberger.

Desemprego, portanto, não é somente procura por trabalho: é procura por informação. A interpretação de desemprego como simplesmente um shortage, como na visão macroeconômica, é misleading. Como em qualquer mercado, se a um dado preço a quantidade demandada é maior que a ofertada, temos, por definição, um shortage, mas isso não se configura necessariamente em um problema, se compreendermos que o shortage surge devido a mudanças naturais de demanda (valorações marginais do produto) e de oferta (custos marginais de produção, ou melhor, valorações marginais da sociedade pelos recursos deslocados da economia para as unidades adicionais do produto em questão) e que, principalmente, a adaptação às novas circunstâncias requer tempo e que este tempo será tanto maior quanto maiores forem os custos de informação que os agentes enfrentam para encontrar os melhores matchings. Vale lembrar o que é o mercado: é o lugar onde as pessoas podem comparar suas valorações marginais subjetivas com as de outras pessoas. Nesse sentido, as transações só podem ocorrer na medida em que as pessoas descobrem essas valorações marginais alheias e de cujas diferenças surgem os ganhos mútuos de troca.

Vejamos como os custos de busca impactam no desemprego. Alchian e Allen nos pedem que imaginemos, primeiramente, alguém que busca o primeiro emprego. Por exemplo, você, que está se formando em Economia e não pretende ingressar no mestrado imediatamente. Você sabe que as diferentes alternativas de trabalho diferem em termos monetários e não-monetários. A aceitação da primeira oferta reduz a probabilidade de encontrar o trabalho com o maior salário. Quanto mais firmas você investiga, maior a probabilidade de encontrar um emprego melhor. Como nos ensina a Teoria Econômica, sua valoração do emprego ofertado não depende apenas do salário oferecido, mas também dos aspectos não-pecuniários, como as condições de trabalho. Seu excedente dependerá substancialmente de como você avalia esses aspectos relativamente ao salário oferecido. Assim, quanto maiores as diferenças que você crê existir entre os salários ofertados e os aspectos não-pecuniários, mais vale a pena estender o tempo de busca para investigar um número possível maior de ofertas. Pelo princípio da valoração marginal decrescente, o benefício incremental de uma extensão da busca (a busca adicional por unidade de tempo) se reduz, ao passo que os custos incrementais de continuação da busca vão aumentando. Existe, portanto, um tempo de busca em que o benefício marginal líquido é nulo. O fato de você estimar um tempo de busca não implica que você encontrará uma oferta findo esse tempo, tal como sua esperança matemática ex ante de uma variável aleatória não coincide com o resultado efetivamente observado ex post.

(Abramos mais um parêntesis, para explicar o papel dos aspectos não-pecuniários na valoração marginal. O médico recém-formado recebe uma oferta de $10.000 por mês para trabalhar no programa Mais-Médicos no meio da selva. Ele valora em $2.000 o incômodo de trabalhar num lugar sem qualquer infra-estrutura hospitalar, com ausência de opções de lazer e de conforto para viver. Alternativamente, ele tem uma oferta na cidade de $7.000, com toda a comodidade urbana e condições de trabalho. Ele aceita a oferta do Mais-Médicos e tem um excedente de $1.000 (não de $3.000, como alguns poderiam pensar). Outro médico recém-formado pode não dar a mínima para a falta de comodidade na selva. Diante das mesmas alternativas, este segundo médico terá um excedente de $3.000. Uma terceira possibilidade é a seguinte. O primeiro médico recém-formado acima tem uma oferta alternativa na cidade de $9.000. Então ele rejeitará a oferta de $10.000 do Mais-Médicos e ficará na cidade por um salário menor. Nada há de anormal nisso.)

Já para o empregador, se os custos de informação e de contratação fossem nulos, ele contrataria imediatamente o trabalho que requeresse ao salário correto. Como existem custos informacionais, ele também despende um tempo adicional de busca na expectativa de encontrar um trabalhador melhor. Em países comunistas, pode ser que as autoridades aloquem trabalhos a todas as pessoas, de modo que não exista desemprego mensurável, mas certamente existe desemprego disfarçado (disguised unemployment). Desemprego disfarçado é o seguinte. Um empregador quer contratar você por $6.000, mas você está obrigado a exercer outro trabalho por $4.000.

O fato de o desemprego ser um modo econômico de ajustamento entre os mercados não significa que seja bom em qualquer sentido subjetivo do termo. É claro que ninguém gosta de perder o emprego. Entretanto, o ponto enfatizado por Alchian e Allen é que o entendimento do problema não se restringe à simples constatação do número de pessoas desempregadas, mas é, antes e essencialmente, um problema de custos informacionais e de busca no âmbito das valorações marginais.

Políticas de combate ao desemprego caracterizadas por ofertas artificiais de postos de trabalho de parte do governo ou por incentivos artificiais a determinados setores têm por efeito microeconômico a sinalização de preços relativos errados, ou seja, que não refletem a correta escassez relativa. Uma vez cessadas as políticas, a realidade da má-alocação dos recursos (misallocations) se materializará em novas crises. Políticas que negligenciam os aspectos microeconômicos eventualmente podem mascarar os problemas de desemprego por um certo tempo e garantir o espaço midiático de economistas que se rendem mais à notoriedade pública que ao real interesse intelectual. Entretanto, nada pode melhor aliviar o problema do desemprego que a redução dos custos de busca e os custos informacionais. Junte-se a isso a flexibilização da mobilidade de fatores e a capacidade de inovação da economia. Recorde que, devido à escassez, sempre haverá inovação e, portanto, demanda por trabalho.

Rodrigo Peñaloza
Rodrigo Peñaloza

Written by Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.

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