Divagações sobre a incerteza

Rodrigo Peñaloza
2 min readMay 3, 2024
Pintura: "O triunfo de Santo Agostinho", de Claudio Coello, 1664.

Há muitos anos, numa das leituras que fazia de economia, li num certo trecho da obra uma história muito interessante e que dizia respeito à questão das expectativas, da surpresa, da novidade e da incerteza não-mensurável e probabilidades subaditivas. Não, não era o Franck Knight. Até achei que fosse o George Shackle (Epistemics and Economics), mas não encontrei. Realmente não me lembro quem era o autor, mas a história ficou gravada. O autor mencionava que, no começo do século 20 (ou final do 19, por essa época aí), o diretor do escritório de patentes dos EUA fizera uma afirmação pública: a de que não havia mais nada para ser descoberto ou inventado.

Essa afirmação pode parecer apenas ingênua, já que uma possível justificativa é que o encanto que a pessoa sente com tantas inovações e descobertas tendo acontecido faz com que ela realmente acredite que chegamos ao topo do conhecimento.

O problema é mais profundo, tem a ver com incerteza não-mensurável e lógica modal epistêmica. De uma, nasceu a incerteza knightiana, que nós, economistas, conhecemos, embora devêssemos dedicar mais tempo a ela. De outra, nasceu um aspecto fundamental da Teoria dos Jogos, que é a ideia de common knowledge, a de introspecção epistêmica e a de racionalidade limitada. Se você não sabe e não sabe que não sabe, um dos axiomas de Kripke (o chamado Princípio Platônico) é violado e então as coisas mudam de figura. Um artigo clássico do Geanakoplos no Handbook of Game Theory trata dessa questão.

Questões aparentemente novas não são, na verdade, integralmente novas. Por exemplo, se a mentira de quem firmemente crê difere da mentira de quem apenas opina. Santo Agostinho escreveu, em seu DE MENDACIO (Da Mentira), trecho 3.3:

... pois nem todo mundo que diz uma coisa falsa mente, se ele realmente crê ou opina ser verdadeiro aquilo que ele diz. Porém, entre crer e opinar existe uma distância, a saber, que, às vezes, aquele que crê sente que ignora aquilo em que crê, embora não duvide absolutamente daquilo que ele reconhece ignorar, se sua crença é firme; aquele, porém, que opina, julga saber o que, na realidade, ele não sabe. (*)

Mais de 100 anos depois, não podemos afirmar tão categoricamente que não há nada mais a ser descoberto, seja nos confins da galáxia, seja debaixo da terra, seja dentro d’alma.

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(*) Non enim omnis qui falsum dicit mentitur, si credit aut opinatur verum esse quod dicit. Inter credere autem atque opinari hoc distat, quod aliquando ille qui credit, sentit se ignorare quod credit, quamvis de re quam se ignorare novit omnino non dubitet, si eam firmissime credit; qui autem opinatur, putat se scire quod nescit.

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Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.