Do Salmo da União Fraternal na Vulgata e na Septuaginta

Rodrigo Peñaloza
3 min readJun 11, 2023

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(Rodrigo Peñaloza, 2014)

"Oh! quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união. É como o óleo precioso sobre a cabeça, que desce sobre a barba, a barba de Aarão, e que desce à orla das suas vestes. É como o orvalho de Hermon, que desce sobre os montes de Sião, porque ali o Senhor ordena a bênção e a vida para sempre".

Segundo a tradução direta do Hebraico, feita por Vitor Fridlin, David Gorodovits e Jairo Fridlin, o texto é: "Como é bom e agradável viverem irmãos juntos em harmonia. É como o óleo precioso que unge a cabeça de Aarão, e do qual escorrem gotas para sua barba e daí para a orla das suas vestes. É como o orvalho do Hermon que vem cair sobre as montanhas de Tsión, como bênçãos ordenadas pelo Eterno. Sejam elas perpetuadas em sua vida!", in Salmos, texto hebraico com tradução e transliteração de Vitor Fridlin, David Gorodovits e Jairo Fridlin, Editora e Livraria Sêfer, São Paulo, 4ª edição, 2007, pp. 195-196.

A versão que conhecemos - e que reproduzi logo no início - vem da Vulgata, na qual o Salmo em questão é o de número CXXXII: "Ecce quam bonum et quam iucundum habitare fratres in unum; sicut unguentum in capite quod descendit in barbam barbam Aaron, quod descendit in ora vestimenti eius; sicut ros Hermon qui descendit in montes Sion, quoniam illic mandavit Dominus benedictionem et vitam usque in saeculum". A versão popular é fiel à latina.

A versão latina da Vulgata, por sua vez, coincide com a versão grega da Septuaginta: ἰδοὺ δὴ τί καλὸν ἢ τί τερπνὸν ἀλλ' ἢ τὸκατοικεῖν ἀδελφοὺς ἐπὶ τὸ αὐτό. ὡς μύρον ἐπὶ κεφαλῆς τὸ καταβαῖνον ἐπὶ πώγωνα, τὸν πώγωνα τὸν Ααρων, τὸ καταβαῖνον ἐπὶ τὴν ωἴαν τοῦ ἐνδύματος αὐτοῦ. ὡς δρόσος Αερμων ἡ καταβαίνουσα ἐπὶ τὰ ὄρη Σιων˙ ὅτι ἐκεῖ ἐνετείλατο κύριος τὴν εὐλογίαν καὶ ζωὴν ἕως τοῦ αἰῶνος.

Tanto na Septuaginta (completada por volta do segundo século a.C.) como na Vulgata (completada por volta do quarto século d.C.), o Senhor ordena a benção e a vida para sempre, ao passo que no original o Senhor ordena a bênção para sempre e o Rei David, o recitador do Salmo, roga a Deus que perpetue as bênçãos por toda a vida de Aarão. Na verdade, ele roga que perpetue o óleo precioso que sobre ele cai, que é como bênção. O óleo simboliza a essência. Tendo por base o princípio da emanação da teologia hebraica da Cabala, a essência emana do Alto, descendo pelas Sephirot, desde Kéter a Malchut, a borda das vestes. No original, o suprimento da essência da Vida emana de Deus para o Homem e este, reciprocamente, assim deseja e roga. Na Vulgata e na Septuaginta, tudo vem de Deus. Há uma profunda diferença filosófica entre o original hebraico, por um lado, e as versões grega e latina, por outro, e essa diferença se resume à forma pela qual o Homem se relaciona com a Divindade no que concerne à sustentação do Ser e à forma pela qual, em um certo sentido, se procurou subtrair à criatura a capacidade de contato direto com o Criador, contato que em si é uma veneração, dada a sua natureza rogatória.

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Rodrigo Peñaloza
Rodrigo Peñaloza

Written by Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.

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