Fama não é atestado de conhecimento
Neste texto dou um exemplo da lei “fama não é atestado de conhecimento”. Em Economia abundam críticas ultrapassadas à teoria. O problema é que muitas vezes elas vêm de autoridades acadêmicas que não dominam a específica área que costumam criticar.
Reproduzo abaixo três citações:
(1) a primeira é de Mark Blaug, ainda constante da edição de 1997 de seu livro Economic Theory in Retrospect;
(2) a segunda é de Joseph Ostroy, de “A reformulation of the marginal productivity theory of distribution”, paper publicado na Econometrica em 1984, já avançando sobre outro artigo seminal seu, de 1980: “The no-surplus condition as a characterization of perfectly competitive equilibrium”, Journal of Economic Theory, 22: 65-91;
(3) a terceira é do Mas-Collell, na seção 18.D do seu livro Microeconomic Theory, publicado em 1995.
Reparem nas datas: elas são importantes. As citações dizem respeito à Teoria da Produtividade Marginal. Particularmente, elas mostram como os antigos problemas eram lugar-comum na Teoria, mas que, dependendo da especialidade, nem todos são cientes das soluções.
Isto que segue é do livro do Mark Blaug, Economic Theory in Retrospect, 5a edição, 1997, página 467, em que ele basicamente repete as principais críticas à Teoria da Produtividade Marginal que todos já sabiam, inclusive o próprio Blaug ainda na 1a edição do seu livro:
We have by now collected an extensive list of the shortcomings of marginal productivity theory: it is static, it is of little practical use in production problems, it neglects the supply side in factor markets, it cannot be applied to factor markets as a whole because of the interdependence of demand and supply, it sheds no direct light on the problem of relative shares because the conditions for valid aggregation of micro-production functions are rarely encountered, and it fails to integrate the phenomenon of technical change. Nevertheless, in the eyes of most economists, contemporary distribution theory is marginal productivity theory properly qualified to make allowances for these objections. And, of course, so long as no satisfactory alternative theory is in sight, it will remain secure from attack.
Agora a citação do Joseph Ostroy (1984), em “A reformulation of the marginal productivity theory of distribution”, Econometrica, 52: 599-630, alguns anos depois de seu artigo seminal de 1980 que eu citei acima. Ostroy, nesse artigo de 1984 reformula totalmente a teoria da produtividade marginal. Ele menciona as mesmas críticas que o Blaug menciona e oferece a solução. Essa reformulação de Ostroy decorre do seu artigo seminal de 1980 no Journal of Economic Theory, em que ele usa o princípio marginalista aplicado ao indivíduo (não só à mercadoria) para caracterizar a competição perfeita (que nem sempre coincide com o equilíbrio walrasiano). Essa é, hoje, 40 anos depois, a forma como a Microeconomia enxerga o problema da distribuição na teoria da produtividade marginal (e, de quebra, da competição perfeita):
From its beginnings there was an awareness that marginal productivity (MP) theory could not stand by itself. (...) Three well-known properties of MP theory makes this clear: (i) it is a theory of demand for factors, not their supply; (ii) it takes prices of products as given in the determination of the demand for factors; (iii) like the cost-of-production approach to the theory of value, it cannot be applied to the determination of values in an exchange economy. It is the purpose of this paper to show that there is another approach to marginal productivity theory in which the asymmetries noted in (i)-(iii), above, disappear and there emerges a marginal productivity theory that is a complete theory of value. The modification required is simply a change from the marginal product of a commodity to the marginal product of a person. With this change in focus from commodities to persons, there is a corresponding change in the definition of a perfectly competitive equilibrium.
Finalmente, Mas-Collell, na seção 18.D, intitulada Equilibrium and the marginal productivity principle, do livro Microeconomic Theory, de 1995. Eu coloco esse trecho aqui para mostrar como é o reconhecimento dos pares que realmente entendem do assunto.
"In this section, we investigate the extension to which Walrasian equilibria can be characterized by the idea that individuals get exactly what they contribute to the economic welfare of society (at the margin). (...) For an extensive analytical treatment of this topic we refer to the seminal contribution of Ostroy (1980)".
O que isso significa? Duas coisas. Primeiro, que a Teoria Econômica avança e que figuras “famosas” que falam sobre ela nem sempre estão atualizadas. Segundo, que é melhor confiar nos especialistas da área pra saber a que pé as coisas vão. Vejo muitos economistas heterodoxos e historiadores da Economia falar de Teoria Microeconômica achando que o mundo começa e termina em livro-texto de introdução à economia.