Gabriel Biel sobre o monopólio da moeda
Gabriel Biel (c.1423 – 1495), em sua obra Tractatus de Potestate et Utilitate Monetarum (Tratado do Poder e da Utilidade das Moedas), na seção "sequuntur tria dubia" (seguem-se três dúvidas), edição de circa 1515, diz, como já era consenso à época, tal como defendido, por exemplo, por Nicolau Oresme, que o Estado deve ter o monopólio da moeda, mas que seu valor deve ser deixado ao livre mercado.
Os filósofos medievais, quando queriam se referir à determinação do valor das coisas pelo livre mercado, diziam que o valor era determinado pelos "desejos e pelas necessidades da comunidade". Este trecho é particularmente significativo, pois diz que a cunhagem da moeda cabe ao príncipe, mas que ele não tem o direito de controlar seu valor, pois a moeda pertence ao povo, no sentido de que cada agente econômico, ao permutar bens por moeda, faz apenas uma troca de valores: o valor do bem cedido (inclusive o trabalho) pelo valor da moeda recebida. Com a palavra, Biel:
É lícito, porém, ao príncipe fabricar com sua imagem e cunhar com seu nome a moeda. Entretanto, por causa disso, a moeda dispersa no povo não é sua nem é ele próprio o senhor da moeda corrente em seu principado, pois a moeda é um meio de permutar as riquezas naturais, [é] o equivalentes a elas. Portanto, a possessão da moeda é daqueles que têm as riquezas naturais, pois quando quem dá o seu pão ou o trabalho do próprio corpo em troca de dinheiro, quando ele a recebe, ela é sua, tal como o pão e o trabalho eram seus e em seu livre poder. Diz também Nicolau Oresme: É lícito que pertença ao príncipe [o direito] de fazer a moeda. Entretanto, estabelecer o valor da moeda ou a proporção de uma moeda à outra não deve estar no poder do príncipe, mas da comunidade para a qual existe a moeda.
Licet autem principis sit fabricare ac suo imagine ac nomine signare monetam, tamen proter hoc moneta dispersa in populo non est sua, nec ipse est dominus monet[a]e currentis in suo principatu. Nam moneta medium est permutandi divitias naturales equivalens eis. Ideo illorum est possessio monet[a]e, quorum sunt naturales divitiae, nam cum quis dat panem suum vel proprii corporis laborem pro pecunia, cum eam receperit sua est, sicut panis et labor suus fuit et in eius libera potestate. Dicit etiam Nicolau Orem: licet facere monetam pertineat ad principem. Tamen constituere valorem monet[a]e, seu proportionem unius monet[a]e ad aliam (...), non debet esse in potestate principis, sed communitatis cuius est moneta (...).