GESTA OECONOMIAE
ou: uma história da Teoria Econômica como você nunca verá no livro do Mark Blaug
Abstract: o mundo acabou, ficou morto um tempão, ressuscitou e você nem percebeu.
É comum vermos por aí o seguinte argumento:
"Existe uma massa [0,1] de agentes idênticos ex ante, uniformemente distribuídos, cada um recebendo um choque idiossincrático IID: com probabilidade p, o agente é do tipo 1, com propabilidade 1-p é do tipo 2. Pela Lei (Forte) dos Grandes Números, podemos concluir que uma massa p de agentes será do tipo 1 e uma massa 1-p será do tipo 2".
Basicamente, é uma aplicação da Lei dos Grandes Números a um continuum de variáveis aleatórias IID.
Esse tipo de argumento aparece em vários lugares. Por exemplo, no clássico paper “bank runs, deposit insurance and liquidity” de Diamond & Dybvig (1983, Journal of Political Economy) de corrida bancária, no paper “Equilibrium in a currency economy” de Robert Lucas (1980, Economic Inquiry), no paper “Pareto optima and competitive equilibrium with adverse selection and moral hazard” de Prescott & Townsend (1984, Econometrica), e em vários modelos macroeconômicos com microfundamentos. O problema é que isso não vale, ou melhor, não valia, mas depois passou a valer. Parece a OMS. Explico.
A Lei dos Grandes Números é um teorema que fala da convergência (em probabilidade, no caso da versão fraca, ou quase-certamente, no caso da versão forte) dos erros entre média empírica de uma amostra e média populacional para uma sequência ENUMERÁVEL de variáveis aleatórias. O teorema nunca falou nada sobre coleção contínua de variáveis aleatórias. As pessoas usavam esse argumento como se fosse verdade, mas não era! Em artigo importante de 1985, Kenneth Judd (o famoso econometrista, mas com sólida formação matemática) alertou para esse abuso:
Judd, K. (1985): “The Law of Large Numbers with a continuum of I.I.D. random variables”. Journal of Economic Theory, 35: 19-25.
Nesse artigo, Judd aponta o erro elementar que o pessoal estava cometendo. Qualquer um que conheça minimamente Teoria da Medida sabe que a coleção não-enumerável de conjuntos mensuráveis não necessariamente é mensurável. Mas é exatamente isso que estavam fazendo. Pra esse problema não acontecer, alguém tinha que descobrir condições adicionais. O tempo passou e as pessoas, principalmente macroeconomistas e, não sejamos parciais, alguns microeconomistas também, continuaram usando o famigerado raciocínio sem qualquer conhecimento de que o mundo no qual se firmavam simplesmente havia desmoronado. Para citar apenas um, Mas-Collell & Vives, no artigo “Implementation in economies with continuum of agents” (1993, Review of Economic Studies). Vejam só quanta gente importante pisando na maionese.
Eis que mais de uma década depois, para felicidade geral na nação e alegria da galera, Harald Uhlig finalmente encontrou as condições para dar sentido à Lei dos Grandes Números para um continuum de variáveis aleatórias. Além de descobrir o tipo de norma para a convergência, ele mostrou que a integral tinha que ser no sentido de Pettis, algo de Análise Funcional sobre integral de funções em espaços de Banach. Não é possível tomar a integral no sentido de Bochner. O artigo foi:
Uhlig, H. (1996): “A law of large numbers for large economies”. Economic Theory, 8: 41-50.
O argumento ainda é muito comum em modelos macroeconômicos com microfundamentos. O pessoal de micro já é mais ciente dessas coisas. O surpreendente dessa história toda é que o mundo acabou, ficou morto um tempão e foi salvo, mas as pessoas mais interessadas até hoje nem se deram conta do que aconteceu. Não é porque o cara é famoso, que estará imune a erros.