Rodrigo Peñaloza
4 min readJan 24, 2016

HISTÓRIA DA LETRA G
(Rodrigo Peñaloza, 2009)

Nos alfabetos grego e hebraico, a letra correspondente a /g/ é a terceira, ao passo que no alfabeto latino é a sétima. Por quê? Qual a história da letra G?

Em hebraico, a letra G corresponde à letra ג (ghimel), terceira letra do alfabeto. O ג (ghimel) é cognato de גמל (gamol), que significa “nutrir até que se esteja maduro”. A idéia de que o ג (ghimel) representa o cuidado que se devota à criatura até que esteja amadurecida é retirada do que se diz de Isaac em Genesis 21:8: “e cresceu (וַיּֽגָּמַל) o menino e foi desmamado”.

Figura 1: destaque das letras גמל (gamol) dentro do verbo וַיּֽגָּמַל.

A forma da letra ג (ghimel) assemelha-se a um camelo, que em hebraico é גָּמָל (gamol). O camelo recebeu esse nome porque é como uma criança desmamada, que pode viajar um longo tempo sem beber. De acordo com a Cabala, o ג (ghimel) simboliza o Benfeitor Eterno derramando Sua bondade e afeto sobre a Humanidade por causa de Sua חֶסֶד גְּמִילוּת (gemilus chessed) ou gentileza ou providência. O valor numérico de ג (ghimel) é 3, número que alude à concepção de que duas forças opostas devem ser combinadas para a formação de uma terceira entidade.

Em grego, a letra G é representada pelo Γ (gamma maiúsculo), também a terceira letra do alfabeto e tem o mesmo valor numérico 3. Acredita-se que o alfabeto grego é derivado do alfabeto semita, introduzido na Grécia por mercadores fenícios. Os fenícios denotavam o fonema /g/ por uma letra muito semelhante ao ג (ghimel) hebraico, porém bem menos estilizado, e o chamavam justamente de ghimel, a palavra fenícia para camelo, da qual gamol, a palavra hebraica para camelo, é uma mera variação. Com o tempo, os gregos mudaram a forma da letra para o conhecido gamma maiúsculo, Γ. O ghimel fenício é reproduzido a seguir, contraposto ao hebraico e ao gamma grego:

Figura 2: ghimel fenício, ghimel hebraico e gamma grego.

O alfabeto latino, por sua vez, foi derivado do etrusco, que o tomou diretamente do grego. No alfabeto latino, a letra C, terceira letra do alfabeto, servia para representar, até o século III a.C., tanto o fonema /k/ como o fonema /g/. No ano de 312 a.C., os latinos efetuaram uma pequena modificação na forma da letra C para diferenciar, na escrita, os fonemas /k/ e /g/ que já eram diferenciados na fala, modificação que culminou, com o passar do tempo, na atual forma G. Como as letras também tinham valores numéricos, o C permaneceu com o valor 3 e a letra G entrou no lugar da sétima letra latina, Z, correspondente ao Z grego (dzeta, cuja minúscula é ζ), pois o fonema /dz/ era considerado supérfluo. O G, assim, se tornou a sétima letra do alfabeto e o Z pulou para o final, tornando-se a última letra, posterior, inclusive, às letras W, X e Y, que foram adicionadas ao alfabeto latino como correspondentes das letras gregas Ω, Χ e Υ (cujas minúsculas são, respectivamente, ω, χ e υ), usadas em nomes de origem grega. O antigo valor fonético de C como /g/ prevaleceu nas abreviações dos nomes Gaius (C.) e Gnaeus (Cn.).

Atribui-se a Spurius Carvilius Ruga o empenho pela introdução do G no alfabeto latino, o primeiro homem, na história registrada, a abrir uma escola de ensino elementar privada. Ruga também foi o primeiro romano a se divorciar. As fontes históricas são Plutarco, em sua obra Quaestiones Romanae, LIV, e Quintus Terentius Scaurus, em sua obra De Orthographia. Martianus Capella (De Nuptiis Philologiae et Mercurii, III, 261), diferentemente, atribui a introdução do G a Appius Claudius Caecus, censor romano, precisamente em 312 a.C.

Fica claro, assim, que a letra G corresponde ao Γ e que é a sétima letra quase que apenas por acidente histórico.

Com o intuito de ilustrar o processo evolutivo dos pictogramas do alfabeto proporcionado pelos fenícios, basta mencionar que os fenícios, por serem bons negociantes, desenvolveram sistemas de escrita para contabilizar suas atividades comerciais. Eles, então, baseando-se nos hieróglifos egípcios, sumérios e acádios, criaram pictogramas bem mais simples e que deram origem ao alfabeto fenício. A evolução dos caracteres para o fonema /a/ é ilustrada a seguir:

Figura 3: evolução dos caracteres para /a/.

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Rodrigo Peñaloza
Rodrigo Peñaloza

Written by Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.

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