KENNETH ARROW, o maior economista do século XX

Rodrigo Peñaloza
4 min readMar 24, 2024

Kenneth Arrow foi indiscutivelmente o maior economista do século XX. Em termos de número e importância de contribuições fundamentais para a Teoria Econômica, em meio a tantos gigantes, nenhum outro chega perto de seu impacto para a Teoria Econômica. É incomparável e o rigor formal é claramente o último dos critérios.

Arrow formalizou, junto com Gerard Debreu e Lionel McKenzie, a idéia da mão invisível de tal modo que só a partir dele se tornou possível debater sobre a própria mão invisível, fosse para louvá-la ou menoscabá-la. Se Walras apenas tentou formalizar a ideia de equilíbrio, Arrow, Debreu e McKenzie, graças ao teorema do ponto fixo, demonstrado por Brower muitas décadas depois de Walras, demonstraram a existência de equilíbrio. Isso não significa que os mercados estão em equilíbrio. Quem apela para a hipótese de conhecimento perfeito para criticar o modelo Arrow-Debreu não compreende que a relevância do modelo não está no enunciado em si, mas no oferecimento de um ponto de referência a partir do qual se pode compreender por que os mercados estariam ou não em equilíbrio e se seriam ou não eficientes. Não fosse isso o bastante, trouxe para o debate a questão da estabilidade do equilíbrio, ou seja, da estabilidade dos preços e alocações de equilíbrio em relação a variações dos parâmetros da economia: seus recursos iniciais, tecnologias e preferências.

Introduziu as finanças no construto da mão invisível, abrindo as portas para os mercados incompletos e as causas de sua Pareto-ineficiência. Não se pode alegar ineficiência de um mercado se não se tem como common knowledge o que seja eficiência e de que modo ela decorreria ou não das condições de equilíbrio.

Deu fenomenal impulso às teorias de decisão sob incerteza, não só as de cunho savageano, mas até a knightiana e as teorias de George Shackle sobre ignorância. Nos anos 70 organizou um seminário em homenagem a Shackle e antes disso publicou, com Leonid Hurwicz, o pai da Teoria de Desenho de Mecanismos, artigos sobre a ignorância. Nasceu com Arrow a Economia da Informação, em meio a insights de Hurwicz, Hayek, Shackle e outros, graças à qual os problemas de informação assimétrica ganharam a devida relevância na Teoria Econômica. Para entender a importância disso, basta mencionar que Alfred Marshall compreendia os problemas causados pela informação privada mas considerava o uso estratégico da informação privada como indigno de cavalheiros e, em razão disso, não enxergou a informação assimétrica como um problema genuinamente econômico. Arrow, assim, corrigiu um erro histórico de Marshall.

De quebra, criou o que hoje chamamos Economia da Saúde, introduzindo as questões da incerteza e da eficiência na saúde.

Os teoremas de bem-estar são o outro lado da moeda da mão invisível. A eficiência da mão invisível vislumbrada por Adam Smith em termos filosóficos foi por ele integrada no corpus da moderna Teoria Econômica sob a égide de uma linguagem simples e compreensível: o teorema de separação de conjuntos convexos. É graças aos teoremas de bem-estar que se pode hoje discutir as condições da própria ineficiência de alguns mercados, sem contar ainda o antigo debate entre os socialistas de mercado, Abba Lerner e Oskar Lange em particular, cujas visões são sumarizadas no segundo teorema do bem-estar.

O teorema de impossibilidade de Arrow não é um mero teorema curioso da teoria da escolha social. Em poucas páginas de sua tese de doutorado e com uma elegância e simplicidade desconcertantes, ele simplesmente encerrou um debate que já existia na Idade Média: o paradoxo do voto, que embora alcunhado de paradoxo de Condorcet, já era conhecido há séculos. Encerrou um debate para abri-lo em outro nível, muito mais alto. Comparem o que são as teorias de votação hoje com os esforços ingentes e mesmo assim quase infrutíferos de Ramon Llull na Idade Média, Condorcet no século XVIII e Dodgson, vulgo Louis Carrol, no século XIX, só pra citar 3 expoentes.

Trouxe a maior mudança já vista nas teorias do crescimento econômico: o crescimento endógeno, dando, assim, impulso às explicações sobre inovações tecnológicas das firmas como fatos internos ao modelo.

A grandeza de Arrow para a Teoria Econômica no século 20 só se compara à de Adam Smith no século XVIII. Suas duas principais preocupações foram as mesmas: a capacidade de o mercado ser ou não capaz de livremente equilibrar ofertas e demandas e ainda fazê-lo de modo socialmente ótimo a despeito de os indivíduos perseguirem apenas seus interesses privados. Às perguntas fundamentais de Smith, respondidas por ele filosoficamente, seguem-se as reformulações das perguntas feitas por Arrow e as suas repostas formais, tendo oferecido à profissão a linguagem apropriada para o debate e a pesquisa. Se Smith se diferencia de Arrow por ter ainda levantado a questão da divisão do trabalho (um dos maiores insights da Teoria Econômica), Arrow, por outro lado, se distingue por mostrar, em contraposição ao próprio Smith, o como e o porquê de a racionalidade individual nos processos de decisão coletiva (como nas votações e nas alocações públicas) não se traduzir necessariamente em racionalidade coletiva.

Evidentemente você pode definir a grandeza de um economista pela sua glória entre os tomadores de decisões políticas (os mais interessados em teorias que justifiquem o cursus honorum de quantos dependam de votos) e, por conseguinte, pelo impacto na vida das pessoas, ou seja, você pode dizer que essa honra cabe a Keynes. Eu prefiro o critério das contribuições teóricas.

Sicut transit gloria mundi.

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Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.