LEIS DE DEMANDA

Rodrigo Peñaloza
6 min readDec 15, 2023

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(Rodrigo Peñaloza, UnB)

Todos temos uma noção da Lei de Demanda. O problema é que muitos têm uma visão vaga do seu significado e, às vezes, até mesmo não muito diferente do entendimento do leigo. Basicamente, é isto: a quantidade demandada varia inversamente com o preço. Essa versão, porém, esconde muito mal-entendidos. Além disso, existem essencialmente três leis de demanda, não uma.

Para entendermos melhor o que é ou são as Leis de Demanda, aqui vão algumas considerações.

(1) Seja X(p,r) a demanda marshalliana pelo bem X como função do próprio preço p e da renda r. Muitos pensam que a Lei de Demanda se reduz à derivada ΔX/Δp, ou seja, ao efeito-preço de Slutsky. O problema com essa concepção é que se assenta sobre um ceteris paribus matematicamente correto, mas economicamenre errado. Ela mantém fixos os demais preços e a renda r, que é a renda nominal. Gary Becker nos lembra que a renda que deve ser mantida fixa é a renda real, ou seja, a renda r corrigida por um índice de preços que recupere a viabilidade da cesta marshalliana original, mudando-se apenas a inclinação do conjunto de oportunidades. A forma correta de caracterizar a Lei de Demanda é, portanto, mediante aquilo que se conhece na Teoria Econômica por efeito-preço puro de Becker. O efeito-preço de Slutsky é um efeito-preço composto. Quem desconhece essa diferença incorre no erro de achar que bens de Giffen são uma violação da Lei de Demanda. Não são.

(2) Existe uma Segunda Lei de Demanda: no longo-prazo a demanda tem maior elasticidade-preço (em módulo) que no curto-prazo, relativamente a uma variação de preço hoje. Essa é uma aplicação simples do Princípio de Le Chatelier (Samuelson) à demanda. Grosso modo, ajustes da demanda às mudanças atuais de preços tomam tempo.

(3) A terceira Lei de Demanda (sim, existe a terceira) diz que custos fixos comuns a dois bens favorecem o bem mais caro pela redução das taxas marginais de troca. Ela também se chama Teorema de Allen-Alchian. Ela explica, por exemplo, por que o café brasileiro bom é mais consumido lá fora que internamente.

(4) Uma forma alternativa de se contemplar a Lei de Demanda com relação a um bem X é pela Lei de Agregação de Cournot, segundo a qual o negativo da proporção da renda gasta em X é uma média ponderada das elasticidades-preços de todos os bens relativamente ao preço de X, a ponderação sendo dada pelas proporções da renda gastas em cada bem. Como enfatizava Becker, a Lei de Demanda não é uma lei derivada da racionalidade, mas da escassez, manifestada no declive do conjunto de oportunidades. No caso particular em que as trocas se dão sob a égide da instituição dos preços de mercado e transferências de direitos de propriedade, aí sim o conjunto de oportunidade se reduz ao conhecido conjunto orçamentário. Se você entender que o modelo simplório de maximização da utilidade sobre o conjunto orçamentário é só um caso particular da verdadeira Price Theory, você terá dado um grande passo na sua formação.

(5) A Lei de Demanda, no sentido do efeito-preço puro de Becker, continua válida no nível agregado, mesmo que todos os agentes sejam irracionais. Isso é mais uma evidência de que é uma lei derivada da escassez, não da racionalidade.

A contribuição de Gary Becker merece uma atenção maior.

Neste clássico artigo de 1962, “Irrational behavior and economic theory” (Journal of Political Economy, 70: 1-13), Gary Becker mostra que a Lei de Demanda decorre, como dissecacima, da escassez, não da racionalidade dos agentes cujas demandas compõem a demanda agregada.

A Lei de Demanda estabelece que o efeito puro de um aumento do preço é a redução da quantidade demandada. O epíteto “puro” tem um significado preciso: ele denota uma variação do preço, mantida constante a renda real. Para que a renda real seja constante, a renda nominal deve ser corrigida pelo índice de Laspeyres, de modo que a cesta inicial continue factível. É isso que propicia a análise correta dos efeitos da variação de preço sobre as trocas, pois se, por um lado, oportunidades de consumo do bem são perdidas por causa do aumento de preço, por outro lado, oportunidades são ganhas em razão da variação relativa de preços que favorece bens alternativos.

Dado que a demanda marshalliana é função dos preços e da renda nominal, a mera derivada parcial da demanda em relação ao próprio preço não captura o efeito puro da variação de preço sobre a quantidade demandada, pois a renda real cai. Logo, na chamada equação de Slutsky o efeito-preço é, na verdade, um efeito-preço composto, não um efeito-preço puro, porquanto ele vem acompanhado de uma variação da renda real. Isto posto, é simplesmente incorreto o uso de um eventual sinal positivo do efeito-preço (bens de Giffen) como prova de violação da Lei de Demanda, pois o usual efeito-preço da equação de Slutsky não é a correta pedra-de-toque da Lei de Demanda.

Com esses esclarecimentos, Becker mostra que, mesmo que todos os agentes sejam irracionais, ainda assim valerá a Lei de Demanda no nível agregado, já que, ao se estudar o efeito-preço puro, pode-se mostrar que a Lei de Demanda dependerá apenas da escassez, ou seja, do fato de que os preços são positivos.

A forma como Becker modela a irracionalidade é genial. Se o agente possui uma estrutura racional de preferências, então, dados os preços e a renda, ele escolherá uma demanda marshalliana na fronteira de seu conjunto orçamentário (ou conjunto de oportunidade, como Becker chama). Becker encara isso como a realização de uma variável aleatória (na verdade, um vetor aleatório) concentrada na cesta marshalliana. Isso implica que, para relaxar a condição de racionalidade rumo à maior irracionalidade possível, basta fugir da distribuição de probabilidade de Dirac (concentrada num vetor) rumo à distribuição uniforme sobre a fronteira do conjunto de oportunidade. Isso é correto na medida em que a distribuição uniforme satisfaz ao critério epistêmico de Laplace da razão suficiente. Como não há qualquer razão (subjetiva) suficiente que faça a escolha pender para um conjunto de cestas ou outro (o que denotaria alguma estrutura de preferências), então a distribuição uniforme modela a total ausência de racionalidade na escolha: qualquer cesta é igualmente provável de ser escolhida.

Referências ao famoso teorema de Sonnenschein-Mantel-Debreu, conhecido de todos que estudaram Equilíbrio Geral, não cabem neste caso, porque o teorema se restringe ao efeito-preço composto, não ao efeito-preço puro.

A única forma de negar a Lei de Demanda no nível agregado é questionando a escassez. Se você não acredita em escassez, considere o seguinte. O preço P que você vê nos gráficos de oferta e demanda em qualquer curso básico de Introdução à Economia não é o preço de etiqueta do bem. Se você compra um suco de laranja no kiosk da esquina por $5, não é esse o preço que corresponderá à unidade de suco adquirida. O preço correto é o preço pleno (ou full price, na terminologia de Alchian). O preço pleno deve conter os valores marginais correspondentes a todos os sacrifícios incorridos na aquisição do bem. O valor de $5 corresponde apenas ao sacrifício de outros bens em que você está disposto a incorrer, no período, em troca dessa unidade de suco. Porém, se você enfrenta uma fila para adquirir o suco, tempo suficiente para sacrificar o retorno da melhor atividade alternativa, então o correspondente valor monetário deve fazer parte do preço correto e acrescido ao preço de etiqueta. Isso significa que, se você não acredita em escassez, é seu o ônus de provar por que, então, o preço do bem é zero. Preço significa que à ação escolhida não corresponde a qualquer sacrifício. O preço de etiqueta pode ser zero, mas o preço pleno não.

As Leis de Demanda nada mais são que descrições analíticas de um fenômeno social e psicológico inescapável: o fato de que a toda escolha corresponde um sacrifício. É esse fato que caracteriza a escassez, não a mera limitação das quantidades disponíveis frente às desejadas. Mesmo que a quantidade disponível seja mais que suficiente para cobrir a quantidade total desejada pela sociedade, no período, ainda assim o preço será positivo se, para realizar essa alocação, a sociedade tiver que sacrificar algo.

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Rodrigo Peñaloza
Rodrigo Peñaloza

Written by Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.

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