Microeconomia em Doses: HOMO OECONOMICUS
(Rodrigo Peñaloza, 29-XII-2017)
Nota. Uma versão técnica e mais sucinta deste artigo foi publicada com o título “Some thoughts on homo oeconomicus”, em: Teixeira, J. & D. Pinheiro (eds.), Essays on Political Economy and Society, ed. CRV, pp. 87–107 (2018). Link aqui.
É muito comum encontrarmos “críticas” ao construto do homo oeconomicus com base naquilo que alguns, seja por erro conceptual, por ignorância ou mesmo por desonestidade intelectual, imaginam ser o conjunto de hipóteses de racionalidade. Escrevi “críticas” entre aspas porque o termo é impróprio. A crítica pressupõe o conhecimento do que se critica, é um julgamento e deve, portanto, especificar os termos sobre os quais deve haver concordância, especificar os juízos e submeter-se à lógica. Se o termo não corresponde àquilo que se julga, seja por violação sub-reptícia das regras de argumentação, seja por uso indevido de termos ou qualquer outra coisa do tipo, não há critica, mas erística.
Neste texto da série Microeconomia em Doses, esclareço quais são os postulados que fundamentam o homo oeconomicus. Há uma diferença substancial entre o homo oeconomicus e o homem cartesiano e as pessoas quase sempre confundem as duas ideias. Quem tem perfeito conhecimento das consequências e dos estados do mundo não é o homo oeconomicus, mas o cartesiano, um termo técnico da Epistemologia, ou melhor, da lógica modal epistêmica, que caracteriza o indivíduo cujas regras sintáticas de conhecimento seguem o sistema S5 de Kripke, um sistema de 5 axiomas sobre o operador de conhecimento no âmbito da lógica modal. O cartesiano tem o que se denomina onisciência lógica forte. Se o sistema S5 de Kripke é aos poucos relaxado, passa-se à onisciência lógica fraca e assim por diante. Não é disso que se trata quando se fala do homo oeconomicus. (Se você quiser saber um pouco mais sobre o homem cartesiano, clique aqui em O Princípio Platônico e o Livre-Arbítrio).
1. Introdução
Quando em 1889 Maffeo Pantaleoni, em Principii di Economia Pura e influenciado pelas ideias de Spencer, usou o termo homo oeconomicus, ele quis que o termo designasse aquilo que ele considerava o fundamento da economia pura, a saber, o hedonismo como princípio do comportamento humano. Segundo ele, “o egoísmo hedonístico induz o homo oeconomicus a se comportar segundo a lei do menor esforço”. O uso da ideia benthamiana de utilidade ou de utilidade coletiva era o instrumento formal que se tinha à época e não deve ser vista como algo que o homo oeconomicus tivesse na cabeça, mas como instrumento de análise do analista, tal como o Grego foi o instrumento de análise para decifrar os hieróglifos na Pedra de Rosetta. Até Pareto discordou da ideia de Pantaleoni, alegando que “a maioria das pessoas não sabe como fazer isso”, isto é, calcular o grau final de utilidade. Porém, o grau final de utilidade era um conceito ainda muito vago e isso explica muito das suspeitas de Pareto. Em carta de 3 de outubro de 1891 de Pareto a Pantaleoni, encontramos:
“Eu acho que, no que concerne à matemática, todos concordamos. Não nego que existam problemas complexos demais para não serem tratados matematicamente. Admito que o método gráfico é quase sempre o meio mais simples e elegante de resolver alguns problemas. Longe de mim opor-me à economia política matemática e acho que mais cedo ou mais tarde a matemática será a base da ciência econômica. Nós também concordamos perfeitamente que a questão da utilidade da matemática na economia política é diferente da questão da validade da teoria do grau final de utilidade.”
A suspeita de Pareto não deve ser tomada fora de contexto. Quem já leu o capítulo 2 de The Common Sense of Political Economy, de Philip Whicksteed, de 1910, certamente entende o que se passava na cabeça de Pareto. São páginas e páginas discursivas de cálculos marginais de consumo familiar de batata, queijo e outras coisas, com medidas precisas de frações marginais, uma depois da outra, um dos excertos mais entediantes de toda a literatura universal.
Lionel Robbins, em An Essay on the Nature and Significance of Economic Science, 1945, retoma Whicksteed e desenvolve suas ideias. Ao falar sobre a racionalidade, especialmente no capítulo 4, ele a defende desde que tomada em sentido mais geral como o de consistência, que é o nome que ele dá à transitividade, mas ele alerta que o sentido de racionalidade não extrapole os seus limites e passe a admitir perfeito conhecimento das consequências. Como mencionarei mais adiante, o conhecimento perfeito das consequências não é uma característica do homo oeconomicus, mas do homo cartesianus. Isso ficará claro mais na frente, quando também sugerirei textos sobre isso. O que Lionel Robbins realmente defende como legítimo para o termo racionalidade em economia é o “propósito”, no sentido de que toda ação econômica tem um propósito, um insight que ele reconhece ser de Mises. Voltando ao tema da racionalidade completa (preferências transitivas) e outras hipóteses, e aqui acrescento, relativas ao homo cartesianus (não ao homo oeconomicus), Robbins esclarece que o propósito dessas hipóteses é simplesmente facilitar a análise isolando aspectos que na vida real ocorreriam em conjunto com vários outros fatores. Ele considera absurda a ideia de que o mundo é composto por máquinas egoístas de prazer. O que ele faz aí é uma crítica ao que já ocorria: a busca pelos fundamentos da ação do homo oeconomicus fora substituída pelas hipóteses do modelo formal-matemático do homo cartesianus. Parte é culpa de Whicksteed. Para Robbins, o conceito fundamental da economia é a valoração marginal relativa, que é justamente o que Alchian e Allen fazem ao listar os postulados do homo oeconomicus.
2. O erro comum
Não raro encontramos textos como este, de Belluzzo e Bastos, publicado no diário Folha de São Paulo em 20/03/2016:
“O principal elemento definidor da ortodoxia neoclássica é o axioma de indivíduos racionais e maximizadores de utilidade, (…).”
O resto da frase é uma série de erros conceptuais sobre a economia neoclássica que não merecem comentário neste espaço. Contraste a sentença acima com estas palavras de Armen Alchian e William Allen, em um exercício de seu livro introdutório Exchange and Production:
Exercício 8 do capítulo 3: “A teoria econômica é construída sobre uma idealização do homem: que ele tem tremendo poder computacional, um conhecimento detalhado de seus desejos e necessidades, um entendimento geral de seu ambiente e suas relações causais, uma resistência a agir por impulso ou hábito. É difícil preencher a lacuna entre esse modelo do homem econômico e o homem do mundo real que tateia as coisas com incerteza”. Essa afirmação caracteriza corretamente o estado da teoria econômica? Explique.
A resposta, fornecida pelos autores no answer-key no fim do livro é devastadora:
Resposta: Não! É a teoria e a sua estrutura que se conformam às leis da lógica e da racionalidade. As regularidades predicáveis das respostas das pessoas a mudanças em seu ambiente não requerem que elas sejam “racionais” não mais que a reação da água ao declive requer a racionalidade de cada molécula de água.
Em suma, a afirmação que Alchian e Allen apresentam no exercício e em relação à qual o aluno é instado a refletir para, tendo realmente entendido os postulados do homo oeconomicus explicados no capítulo, saber que a reposta é um rotundo “não” é essencialmente a mesma afirmação à qual alguns críticos atribuiriam um errôneo “sim”. Alchian e Allen são enfáticos em esclarecer que os postulados do homo oeconomicus não afirmam nem pressupõem que o homem é uma máquina de calcular, mas alguns insistem em dizer que sim e, a partir daí, despejam as críticas de praxe.
Em outro exercício de Alchian e Allen, encontramos:
Exercício 24 do capítulo 2: “Ao utilizar o princípio da maximização da utilidade, a Teoria Econômica supõe que o homem está maximizando alguma entidade psicológica?”
Em edição anterior da obra, quando seu nome ainda era University Economics, a pergunta do exercício acima é seguida da indicação da resposta, que nas versões mais novas os autores retiraram com o simples propósito de forçar o aluno a pensar: “Explique porque a resposta é: Não”.
Para encerrar a série de exercícios elementares que contradizem os anseios dos críticos, eis mais um:
Exercício 21 do capítulo 2: “A Teoria Econômica é racional e lógica, mas o homem não necessariamente é desse jeito. Qual é a diferença entre um homem racional e uma teoria racional?”
O exercício começa com aquilo que eu chamo de chavão heterodoxo. Alchian e Allen, então, esclarecem que os que creem nesse chavão não distinguem entre homem racional e teoria racional, apontando aí que o epíteto racional é equívoco ou homônimo, no sentido que Aristóteles introduziu nas Categorias. No texto desse mesmo capítulo, os autores dizem que racionalidade da análise não significa que as pessoas que estão sendo analisadas sejam máquinas de calcular animadas. Além disso, quanto aos postulados, os quais colocarei mais adiante e definitivamente não são os que Belluzzo, Bastos e tantos outros pensam ser, as pessoas não precisam necessariamente ser conscientes deles, não mais do que, nas relações entre os sexos, os casais também não precisam ser necessariamente conscientes das leis de reprodução e atração sexual.
Todas as críticas que tenho visto ao homo oeconomicus são idênticas às ditas por Belluzzo e Bastos e não passam de meras paráfrases do texto do exercício 8 do capítulo 3 de Exchange and Production. Se os críticos dependessem dessa questão para aprovação no curso de introdução à economia de Armen Alchian, receberiam um enfático F. Até John Riley tremia quando Alchian, que não sem razão é tido como um dos maiores economistas do século XX, chegava em um brown bag seminar com uma pergunta elementar totalmente desconcertante.
3. Os postulados do homo oeconomicus
Os postulados corretos são bem simples. Antes, porém, duas observações necessárias. Em primeiro lugar, a unidade de decisão é o indivíduo. Coletivos não são entes que tomam decisão. Toda decisão coletiva é resultado de algum método de votação baseado nas decisões individuais. Isso não quer dizer que as decisões individuais não possam ser influenciadas pela cultura e pelas normas sociais ou mesmo pela propaganda. Existem pessoas que, por deficiência de raciocínio lógico, derivam conclusões que não decorrem da observação acima e com isso acreditam que a influência social e cultural sobre as preferências seja uma refutação da teoria. Em segundo lugar, nenhum homem pode prever o futuro perfeitamente. Isso não implica que toda incerteza seja probabilizável. Isso também não implica que a Teoria Econômica tem por fim prever o futuro.
Os postulados do homo oeconomicus são:
(1) Cada pessoa deseja uma multiplicidade de bens.
(2) Para cada pessoa, alguns bens são escassos.
(3) Uma pessoa está disposta a sacrificar algo de qualquer bem para obter mais de outro bem.
(4) Quanto mais se tem de um bem, menor a valoração marginal pessoal desse bem.
(5) Nem todas as pessoas têm idênticos padrões de preferência.
Esses são os postulados minimamente necessários para sustentar a Teoria Econômica e é por isso que caracterizam o homo oeconomicus. Eis porque o livro de Alchian e Allen é tão bom. Deve-se, porém fazer uma distinção entre o modus cogitandi microeconômico e o modelo formal-matemático microeconômico correspondente. Sobre isso falarei mais adiante.
Um bem é qualquer coisa que alguém deseja. Se você tem sede e deseja água, então água é um bem. Se você quer fazer filantropia, então a filantropia é um bem. Observe que a água você compra no mercado, mas a filantropia não se compra, se pratica. Entretanto, sacrifícios econômicos fazem parte da ação filantrópica tanto quanto da demanda por água e podem, inclusive, ser mensurados. (Se quiser saber mais sobre a filantropia do ponto de vista microeconômico, clique aqui em Microeconomia em Doses: Filantropia).
O que significa negar o postulado (1)? Significa dizer que alguém deseja apenas um único bem. Se essa pessoa considera apenas um único bem em suas considerações diárias, então ela não consegue valorar esse bem, pois o valor marginal pessoal de cada unidade desse bem é, por definição, o quanto de outro bem (ou de outros bens) ela está disposta a sacrificar para obter essa unidade adicional. Em outras palavras, o desejo por água de alguém para quem água é a única coisa que ela deseja não representa qualquer sacrifício. A única maneira de isso ocorrer é admitindo a hipótese ridícula segundo a qual algum ser humano existe sem quaisquer necessidades, nem mesmo biológicas, ou desejos, mesmo os abstratos, como arte, e que essa pessoa tem tanta abundância de água, que é a única coisa que ela realmente deseja, que sequer precisa sacrificar qualquer coisa por ela, nem mesmo o tempo de ir à fonte e beber, pois o tempo gasto nesse pequeno trajeto não poderia mesmo ser alternativamente gasto em qualquer outra atividade. Talvez essa pessoa seja um vegetal que só precise de fotossíntese, mas mesmo os vegetais precisam de outras coisas como luz, sombra e água. Essa pessoa, então, não teria qualquer intercâmbio econômico com outras pessoas, pois, tendo abundância de água e só desejando água, ela jamais procuraria água em outra parte de alguém que tivesse água. Se ela fizesse isso, só esse esforço já seria uma escolha entre beber de sua fonte eterna e abundante e procurar água em outra parte. Em alguns modelos macroeconômicos é comum a hipótese de um único bem, mas não se engane com isso, pois esses modelos são dinâmicos e um chocolate hoje não é o mesmo bem que um chocolate no futuro.
Que o postulado (1) descreve um padrão observado de comportamento econômico em qualquer tempo e espaço é óbvio. Quem em sã consciência negaria a realidade de que as pessoas desejam muitos bens e não apenas um? Até Arnaldo Antunes musicou isso, quando escreveu “a gente não quer só trabalho, a gente quer comida, diversão, balé”. Os heterodoxos nacionais desejam múltiplos bens. Para publicar seus escritos em jornais de circulação diária, eles desejam um computador à mão, tempo sobrando, livros para ler e contatos na imprensa para promoção. Alguns até desejam o cargo de Ministro da Fazenda.
O que significa negar o postulado (2), segundo o qual para cada pessoa alguns bens são escassos? Significa afirmar que existe alguém para quem todos os bens não são escassos. Ora, escassez existe toda vez que desejamos mais e não há o bastante. Assim, dizer que para alguma pessoa todos os bens não são escassos significa admitir outra possibilidade inusitada: ou que essa pessoa simplesmente parou de desejar, que está saciada em todas as coisas que desejava e que não mais deseja, ou que, se deseja, há tal abundância da coisa desejada que nenhum sacrifício se lhe exige, ou ambas. Essa pessoa também para de trocar, deixa de participar do mercado. Isso inclui desistir de trocar seu lazer pelo dinheiro que ganha trabalhando.
A razoabilidade do postulado (2) é óbvia também. Em que lugar não há escassez? Dito de outra forma, em que lugar da Terra se esconde o Nirvana em que as pessoas já não têm desejo? Note que o postulado requer apenas que alguns bens sejam escassos, ou seja, basta que a pessoa deseje alguns bens para podermos fazer análise econômica. Quanto aos outros bens, a pessoa pode muito bem sentir-se satisfeita e não desejar mais, o que é também a realidade da vida.
O postulado (3) diz que uma pessoa está disposta a sacrificar algo de qualquer bem para obter mais de outro bem. Negar isso significa afirmar que todas as pessoas não estão dispostas a sacrificar algum bem para obter mais de outro. Elas cessam, então, de desejar coisas, seja porque os bens são abundantes para todos, seja porque as pessoas viraram vegetais.
Que o postulado (3) é natural decorre do fato empírico de que para conseguir qualquer coisa que deseja, o ser humano necessariamente incorre em sacrifícios, nem que seja pelo menos do tempo dedicado a isso e com o concurso do qual ele poderia estar fazendo outra coisa. Esse é um aspecto tão elementar da natureza que até o ilustramos mitologicamente com o sábio conselho (ou condenação divina): “comerás o pão com o suor de teu rosto”.
O que significa negar o postulado (4), segundo o qual quanto mais se tem de um bem, menor a valoração marginal pessoal desse bem? Imagine que alguém deseja dois bens, X e Y, e considere duas situações distintas. Na situação A, a pessoa já consome regularmente certa quantidade mensal de X e certa quantidade de Y. Dadas essas quantidades, essa pessoa, se pretendesse adquirir uma unidade (incremental) ΔX a mais de X, aceitaria abrir mão de alguma quantidade ΔY de Y. A essa taxa |ΔY|/ΔX Alchian e Allen dão o nome de taxa marginal de substituição-consumo, a qual não deve ser confundida com a taxa marginal de substituição que aprendemos nos livros, que é a razão entre as utilidades marginais. Essa disposição à substituição reflete o grau de abundância de Y relativamente a X. Com efeito, a situação B denota o passo seguinte em que a pessoa diminuiu a quantidade de Y em favor de uma unidade a mais de X. Neste caso, o grau de abundância de Y relativamente à quantidade de X diminuiu. Sendo relativamente menos abundante que antes, o consumidor está disposto a sacrificar uma quantidade menor de Y pelo mesmo incremento de X. Isso ocorre porque tanto X como Y são bens, ou seja, a pessoa deseja X e Y, ela quer mais X e mais Y. A cada passo em que X amenta e Y diminuiu, o bem Y se torna menos abundante e X mais abundante. Ao se tornar mais escasso, o bem Y acaba ficando mais valioso para a pessoa, relativamente a X e, portanto, a pessoa fica menos disposta a sacrificar Y por mais X. Preste atenção no advérbio relativamente! O que significa, então, negar esse postulado? Significa que, dada uma quantidade de X e Y, se a pessoa considerasse aumentar X em uma unidade e mais uma e mais uma, então a cada passo ela estaria disposta a sacrificar cada vez mais de Y por cada unidade adicional de X. Isso significa que a pessoa não considera o bem Y realmente um bem, mas um mal, no sentido de que ela não se importa em se ver livre de Y, mesmo que ele se torne cada vez mais escasso, relativamente a X. Isso fica ainda mais patente se consideramos mais de dois bens, digamos, X, Y e X. Dada uma cesta desses bens, qual a valoração marginal pessoal de X? É o quanto a pessoa está disposta a sacrificar de Y e Z em troca de uma unidade a mais de X. Como expressar, neste caso, a variação conjunta Δ(Y,Z)? Pode-se perguntar separadamente quanto de Y a pessoa está disposta a sacrificar e quanto de Z, de modo a obtermos as taxas marginais de substituição-consumo parciais |ΔY|/ΔX e |ΔZ|/ΔX, pois todas as três taxas expressam a máxima disposição ao sacrifício.
A plausibilidade do postulado (4) é mais sutil, não é tão facilmente apreensível como os demais. Entretanto, sua plausibilidade se torna imediata quando se admite a negação lógica. Isso é normal no raciocínio científico e é de nossa essência. Uma proposição é verdadeira porque sua negação lógica é falsa. A racionalidade é a diferença específica que define o ser humano como espécie do gênero animal. Portanto, a razão e a lógica devem ter alguma função em nossas vidas. Mas, claro, alguém sempre pode alegar alguma lógica peculiar para a qual a verdade é uma mera opinião. O difícil é entender como alguém que alegue isso tenha a pretensão de “provar” a veracidade de sua crítica.
Finalmente, que significa negar o postulado (5), que diz que nem todas as pessoas têm idênticos padrões de preferência? Primeiramente, por padrões de preferência deve-se entender as taxas marginais de substituição-consumo em cada cesta. Negar esse postulado significa, então, que todas as pessoas são idênticas em termos dos sacrifícios de consumo que estão dispostas a fazer por unidades adicionais de bens, o que seria a absoluta negação de qualquer possibilidade de troca econômica, pois o que explica as transações econômicas são precisamente as diferenças entre as taxas às quais pessoas diferentes estão dispostas a sacrificar, ou ,melhor dito, são precisamente as diferenças entre as valorações marginais pessoais. Indivíduos alertas percebem essas diferenças e promovem as trocas, “comprando barato e vendendo caro”, ou seja, fazendo arbitragem.
A evidência empírica do postulado (5) decorre de uma observação muito simples, porém muito interessante: as pessoas fazem comércio e assim o fazem porque acreditam que, de alguma forma, se beneficiam.
Convido o leitor a insistir na recusa, com honestidade intelectual, de qualquer um desses postulados. Esses postulados são princípios.
Desejo, escassez e competição são intimamente ligados, pois um termo implica o outro. Existe escassez até mesmo na mais afluente das sociedades, pois até lá as pessoas desejam e, com isso, demandam. Como não existe o bastante de tudo, os bens têm que ser distribuídos de alguma forma e as pessoas competem pelo que desejam. Em um sistema de mercado, a competição é via preços. Em um sistema socialista é via filas e, se o custo de oportunidade é alto, a elas se acresce a corrupção. Haverá competição sempre que houver escassez. Como dizem Alchian e Allen no capítulo 1, citando o filósofo Arnold Palmer: “Só existe um meio de evitar a competição (…): ‘se você não está competindo, você está morto’. E reciprocamente”.
4. Aplicando os postulados
Vamos dar duas aplicações dos princípios. A primeira será a uma ideia elementar de Microeconomia, a forma usual das curvas de indiferença. A segunda aos impostos personalizados de Lindahl na provisão de bens públicos.
Suponha que há dois bens, X e Y, e considere as três cestas A, B e C na figura abaixo:
Essa configuração satisfaz ao postulado (1), pois o consumidor deseja dois bens. Suponha que o consumidor é indiferente entre as cestas B e C, ou seja, B>C, em que “>” a preferência estrita. A cesta B se caracteriza por ser obtida a partir da cesta A com um acréscimo na quantidade de Y. Como Y é um bem, então B>A. Similarmente, a cesta C é obtida a partir da cesta A com um acréscimo na quantidade de X, sendo a de Y igual à de A. Como X é um bem, então C>A. Imagine que se dá um acréscimo ΔX à quantidade de X na cesta B e o mesmo acréscimo na cesta C. Pelo postulado (3), nos dois casos, o consumidor está disposto a sacrificar alguma quantidade de Y pelo acréscimo no bem X. Na cesta B, como o bem Y é mais abundante em relação a X do que na cesta C, então, pelo postulado (4), a valoração de Y em B relativamente a X é menor do que a valoração de Y relativamente a X na cesta C, o que implica, então, que ele está disposto a sacrificar uma quantidade maior de Y em B do que em C pelo mesmo acréscimo em X. As inclinações |ΔY|/ΔX nos pontos B e C ilustram isso. Claramente em B a inclinação, em módulo, é maior do que em C. Decorre disso que a curva de indiferença pelos pontos B e C deve ter a seguinte configuração:
A curva de indiferença pelos pontos B e C deve estar acima da curva de indiferença pelo ponto A. Isso vem do postulado (1) e do postulado (2) no caso particular em que tanto X como Y são escassos. Além disso, as curvas são convexas em relação à origem. Isso vem dos postulados (3) e (4).
Essa mesma configuração se obtém, alternativamente, se supusermos que o consumidor possui uma utilidade u(X,Y) sobre os bens X e Y que seja monotônica e côncava, ou seja, uma utilidade que represente numericamente preferências monotônicas e convexas. Estas propriedades de monotonicidade e de convexidade das preferências são consequência dos postulados básicos, não são axiomas comportamentais!
Surge aqui um insight importantíssimo para quem pretende entender a Microeconomia. Uma coisa é o modus cogitandi, isto é, a forma de pensar do microeconomista. Essa forma é integralmente baseada na capacidade de utilizar os postulados do homo oeconomicus como enunciados acima para analisar os fenômenos econômicos. Em nenhum momento se postulou a existência de uma função utilidade e nem propriedades matemáticas que esta possa ou deva ter. A configuração geométrica do mapa de curvas de indiferença é toda ela obtida apenas a partir dos postulados básicos com os quais, espero, o leitor já tenha concordado.
Outra coisa bem diferente é o modelo formal-matemático do modus cogitandi e a partir da qual se pode chegar aos mesmos resultados. Neste outro mundo — o do modelo formal-matemático — , admite-se uma função de utilidade monotônica e côncava (e contínua obviamente) sobre os bens X e Y. Ao escrevermos Y como função de X a partir da equação u(X,Y) = c, em que c é uma constante, então essa função terá a forma acima.
No modelo formal-matemático, os resultados analíticos obtidos a partir do modus cogitandi do microeconomista são igualmente obtidos mediante o auxílio da linguagem matemática (e, mais particularmente, da linguagem gráfica). Em razão da formalização matemática, a utilidade é definida sobre todos os bens e a ela se impõem condições matemáticas que implicarão os resultados que já sabemos decorrer dos princípios básicos. Não é verdade que essas propriedades matemáticas são axiomas comportamentais. Ao contrário, elas são consequência dos postulados básicos e não os contradizem e a única razão pela qual se diz que o consumidor conhece todos os bens é porque sem isso não há como proceder à resolução do problema matemático. Entretanto, o suposto agente que resolve o cálculo das curvas de indiferença não é o homo oeconomicus: é, antes, um agente cartesiano que, procedendo como uma calculadora, chega aos mesmos resultados por um caminho diferente.
Para entender isso, vou usar de uma analogia. Em um nicho ecológico uma população de coelhos (as presas) convive com uma população de raposas (os predadores). Na natureza essas populações interagem de maneira tal que de tempos em tempos uma população está baixa enquanto a outra está alta. Se as raposas reduzem demasiadamente o número de coelhos, a possiblidade de alimentação se reduz e o número de raposas, por conseguinte, se reduz. Quando isso ocorre, a população de coelhos volta a crescer, até o ponto em que, havendo muito alimento, as raposas novamente contribuem para reduzir o número de coelhos. Essa interação cíclica é um fato da natureza. Em 1920, Alfred Lotka, baseado em modelos anteriores de Kolmogorov, desenvolveu o modelo predador-presa de Lotka-Volterra. Se x é o número de coelhos e y o de raposas, então a evolução dinâmica das duas populações é modelada pelo sistema dinâmico:
dx/dt = ax –bxy
dy/dt = mx –nxy
em que a,b,c,m são parâmetros que descrevem a interação entre as duas espécies. Nem Lotka nem Kolmogorov jamais afirmaram que as espécies são máquinas de calcular para se conformarem às equações dinâmicas respectivas e nem que a Natureza segue precisamente o sistema Lotka-Volterra. As equações de Lotka-Volterra do modelo predador-presa são apenas uma maneira formal-matemática de chegar ao mesmo resultado de interação cíclica das espécies a que a própria observação humana já chegou. A natureza cíclica da interação entre predador e presa é um princípio da natureza. Sua negação implica que todas as espécies, desde os princípios dos tempos, se manteriam nas mesmas proporções. Mas isso significa simplesmente que não haveria evolução.
Quando imaginamos que as preferências não sejam convexas, de tal sorte que a função utilidade não seja côncava, então claramente viola-se o postulado (4). Essa violação é uma possibilidade teórica, não a constatação de um comportamento humano geral. Dizer que o indivíduo eventualmente, para certo range de quantidades de algumas mercadorias, considera essas mesmas mercadorias males em vez de bens, isso em nada testemunha contra a Teoria Econômica, pois os postulados valem para os bens. Se não temos bens, mas males, um simples raciocínio lógico a partir dos mesmos postulados permite-nos analisar o caso de forma igualmente coerente. O modelo formal-matemático torna mais fácil esse procedimento. Simples assim.
A segunda aplicação é a condição de primeira ordem do problema básico do consumidor. Se os bens X e Y têm preços p e q, respectivamente, então o sacrifício de Y por um incremento de X, que é uma razão entre duas quantidades, com as correspondentes unidades de medida dadas, pode ser expresso monetariamente. Se ao adquirir um incremento ΔX ao preço p por unidade, o consumidor gasta pΔX. Por outro lado, ao sacrificar |ΔY| ao preço q por unidade, ele economiza q|ΔY|. Se a economia é maior que o gasto, q|ΔY| > pΔX, ele pode usar essa economia líquida para comprar mais X, pois, pelos postulados (2) e (3), ele deseja X e está disposto a sacrificar Y por isso. Porém, pelo postulado (4), ao cogitar de outro incremento ΔX, a quantidade de Y que ele está disposto a sacrificar se reduziu, pois o bem Y tem se tornado mais escasso que antes em relação ao bem X. Logo a economia q|ΔY| cai para o mesmo aumento de gasto pΔX. Isso continua até o ponto em que q|ΔY| = pΔX. Assim, |ΔY|/ ΔX= p/q, ou seja, a inclinação da curva de indiferença é igual ao preço relativo. Observe que estamos fazendo análise econômica e não pressupondo que o consumidor repete mentalmente estas mesmas palavras que estamos lendo aqui.
Alternativamente, podemos chegar ao mesmo resultado mediante outro caminho: o do modelo formal-matemático. Neste caso, supomos que o agente maximiza sua utilidade u(X,Y) sujeito à restrição orçamentária pX+qY=r, em que r>0 é sua renda. Sabemos que a condição de 1ª ordem é que a taxa marginal de substituição (em módulo) iguale os preços relativos: |TMS| = p/q. A TMS não é a taxa marginal de substituição-consumo postulada por Alchian e Allen. A TMS é, por definição, a razão entre as utilidades marginais de X e de Y, ou seja, TMS=-UMgX/UMgY. Por outro lado, a taxa marginal de substituição-consumo e uma razão entre quantidades de bens. Pelo teorema da função implícita, |ΔY|/ ΔX = -UMgX/UMgY. Assim, enquanto o microeconomista chega, por dentro, ao resultado |ΔY|/ ΔX= p/q pelo seu modus cogitandi, o modelo formal-matemático chega ao mesmo resultado, por fora, pela condição de 1ª ordem de um problema de otimização.
Os princípios do modus cogitandi são válidos mesmo quando as trocas não são mediadas via preços.
A terceira aplicação são os impostos de Lindahl. Esta parte é retirada de outro texto da série: Microeconomia em Doses: taxas de Lindahl (clique aqui para acessá-lo). Já não vou indicar quais postulados serão aplicados, pois já devem estar claros na cabeça do leitor.
O bem público é, por definição, não-exclusivo e não-rival. Não-exclusividade significa que ninguém pode ser excluído de consumi-lo. Não-rivalidade significa que o consumo por parte de um consumidor não reduz a quantidade disponível para os outros consumidores.
Suponha que há dois consumidores, A e B. Queremos produzir uma primeira unidade de bem público. O custo marginal dessa unidade é $90. Em outras palavras, o valor que a sociedade atribui aos recursos deslocados da economia para a produção dessa unidade é $90. O consumidor A tem que pagar por essa unidade consumida. Pra isso ele deve sacrificar consumo de bens privados para pagar pelo consumo do bem público, de modo a que fique indiferente entre sacrificar consumo privado pra consumir o bem público ou não. Digamos que esse valor seja $60. Mas o consumo da unidade de bem público por parte de A não diminui a unidade disponível para B, que pode consumir também uma unidade. O consumidor B sacrifica $50 de consumo privado pela unidade do bem público. A soma desses valores é $110, maior do que o custo marginal de produção da unidade do bem público. Portanto, vale a pena produzir essa primeira unidade. Há um ganho marginal social de $20.
A pergunta que surge é: “vale a pena produzir a segunda unidade de bem público?” Suponha que o custo marginal de produção da segunda unidade é $100. Este é o valor que a sociedade atribui aos recursos deslocados da economia para a produção dessa segunda unidade. Como ela já abrira mão de recursos no valor de $90 para a primeira unidade, esses recursos se tornaram mais escassos e, portanto, têm mais valor que antes: $100.
O consumidor A tem que pagar por essa segunda unidade. Ele sacrifica, mais uma vez, consumo de bens privados para pagar pelo consumo do bem público, de modo a que fique indiferente entre sacrificar consumo privado pra consumir o bem público ou não. Digamos que esse valor seja $55. Com efeito, como ele já sacrificara bens privados, no valor de $60, pela primeira unidade de bem público, os bens privados se tornaram mais escassos e o bem público mais abundante. Então pela segunda unidade de bem público ele está disposto a sacrificar menos consumo de bens privados que antes.
Mas o consumo da unidade de bem público por parte de A não diminui a unidade disponível para B, que pode consumir também essa segunda unidade. O consumidor B já sacrificou $50 de consumo privado pela primeira unidade do bem público. Como seus bens privados já estão mais escassos, ele está disposto a sacrificar menos, digamos $48.
A soma desses valores é $103, maior do que o custo marginal de produção da segunda unidade do bem público, que é $100. Portanto, vale a pena produzir essa segunda unidade. Há um ganho marginal social de $3.
Vale a pena produzir a terceira unidade? Suponha que o custo marginal dessa terceira unidade é $120 (observe que os custos marginais foram de $90, depois $100 e agora $120, ou seja, custos marginais crescentes). Pela terceira unidade, o consumidor A está disposto a sacrificar apenas $49, menos que os $55 da unidade anterior. Seus bens privados estão cada vez mais escassos. O consumidor B está disposto a sacrificar $45. A soma dessas disposições a pagar pela terceira unidade do bem público é $94, inferior ao custo de $120 da terceira unidade do bem público. Não vale a pena! Paramos, portanto, na segunda unidade.
Recorde que, para a segunda unidade de bem público, o consumidor estava disposto a sacrificar $55 de consumo privado e o consumidor B estava disposto a sacrificar $48. O custo marginal da segunda unidade de bem público era $100. Assim, $55+$48 é a soma mais próxima possível (e por cima) de valores sacrificados de consumo privado pela unidade adicional de bem público. Esses são os impostos de Lindahl dos consumidores A e B:
t(A)=$55
t(B)=$48
Os impostos de Lindahl são impostos personalizados. Temos ainda outras informações. A quantidade ótima de bem público é de 2 unidades. Além disso, o excedente social é $20 da primeira unidade mais $3 da segunda. Portanto, o excedente total máximo é $23.
Se os bens são infinitamente divisíveis, então a condição para eficiência alocativa do bem público é que a soma das taxas de Lindahl iguale o custo marginal de produção do bem público.
A interpretação econômica dessa regra matemática da Microeconomia é que a sociedade, ao produzir 2 unidades de bem público, deslocou recursos da economia num valor monetário ao qual damos o nome de custo marginal de produção da segunda unidade de bem público. Cada consumidor consome as mesmas 2 unidades (pois o bem é não-rival e não-excludente). Pra isso, eles sacrificam consumo de bens privados tanto para a primeira unidade quanto para a segunda. Porém, a condição de eficiência é caracterizada apenas pela última unidade que valeu a pena. O total do que os consumidores sacrificam cobre exatamente o custo marginal dessa última unidade.
Nesse ponto, a sociedade ganhou um excedente de $23. O significado econômico desse valor é que a sociedade acumulou excedentes ao produzir as duas unidades de bem público. Em outras palavras, os valores de consumo privado que os pagadores de impostos de Lindahl estão dispostos a sacrificar pelo bem público superaram os custos totais dessas duas unidades.
Note que em nenhum momento falei de taxa marginal de substituição. O processo de decisão privada a cada unidade é baseado em taxas de troca entre quantidades de bem público e privado. Se os bens têm preços, então é como se os consumidores se movessem ao longo da curva de indiferença, embora esse conceito não apareça. Eles nem precisam conhecer os preços dos bens, pois as trocas são feitas em termos do sacrifício monetário que, do ponto de vista de cada um, vale a pena. Basta que eles sigam fazendo essas trocas incrementais até o ponto em que decidam parar por não valer mais a pena.
Para que serve, então, o modelo microeconômico de maximização da utilidade por parte do agente, sobre um conjunto orçamentário de cujos preços ele tem conhecimento? É porque esse “modelo” produz o mesmo resultado que obtivemos acima sem necessidade de qualquer conhecimento absoluto de todos os preços e sequer impondo que o consumidor tenha uma função de utilidade na cabeça e que se comporte como um computador que sai por aí maximizando. O modelo se aproxima do resultado “por fora”, ou seja, matematicamente. O método que descrevi acima é “por dentro”, ou seja, chega-se ao resultado economicamente.
A regra de Lindahl que apresentei acima é a mesma para a produção eficiente de bem público contínuo ou discreto. A regra é a mesma. A única diferença é que, no caso discreto, a taxa marginal de substituição se reduz ao que chamamos preço de reserva por cada unidade. É a mesma coisa.
5. Conclusão
Podemos chamar o sujeito do modelo formal-matemático de homo cartesianus. Mas quem é esse homo cartesianus? É o morador da casa ao lado? É a dona da padaria? Não! O homo cartesianus é o próprio analista econômico que se vale do modelo formal-matemático para analisar o fenômeno econômico mediante uma linguagem diferente. Analogamente, os coelhos e as raposas não são bestiae cartesianae, não são os calculadores do modelo Lotka-Volterra, mas o biólogo ou o matemático, estes sim os homines cartesiani, que dele se valem para analisar a relação predador-presa. O estudante que abre o livro do Mas-Collell para resolver um exercício de teoria do consumidor utilizando topologia e análise real é, nesse momento, um homo cartesianus, pois está ciente de toda a construção formal do modelo e se restringe a essa formulação e às regras da lógica para resolver o problema. Mas não é só! O juiz que avalia um caso judicial é homo cartesianus também, pois, ao exercer essa atividade que lhes é própria, ele raciocina, sob as regras da lógica e da boa indução em um universo de leis que ele conhece, para chegar a um veredito plausível. Numa reunião de condôminos que debatem como custear as despesas de jardinagem são homines cartesiani, pois debatem com um mínimo de lógica e bom senso, tendo perfeito conhecimento das alternativas de preços e serviços. Dois economistas heterodoxos que se juntam para escrever um artigo, ainda que erístico, sobre pretensas deficiências epistêmicas do “modelo neoclássico ortodoxo” e assim se valem de um conjunto de conhecimentos articulados segundo os postulados (sejam estes bons ou ruins, ótimos ou péssimos) de seu pensamento são também homines cartesiani. Insisto, para os que querem entender o que realmente é o homo cartesianus, que leia o texto que já sugeri, o Princípio Platônico, no qual também sugiro várias referências acadêmicas sérias.
Pensando atacar o homo oeconomicus, os críticos, na verdade, atacam o homo cartesianus. Assim o fazem por não compreenderem nem um nem outro. Toda análise científica, seja nas ciências biológicas, seja nas ciências exatas, seja nas ciências sociais e humanas, é feita por homines cartesiani. Afinal, sem isso não há debate científico!
O homo oeconomicus, por outro lado, é bem mais simples. Ele é o ser humano em geral. Convido o leitor a refutar, mais uma vez, qualquer um dos seus postulados e a avaliar seriamente o significado de uma eventual recusa de algum.
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