Microeconomia em doses: LEI DAS VANTAGENS COMPARATIVAS
(Rodrigo Peñaloza, 20/4/2021)
A Lei das vantagens Comparativas, estabelecida por David Ricardo no século XIX, diz que o comércio entre dois países sempre traz benefícios mútuos, mesmo que um dos países seja mais produtivo em todos os bens. Essa lei vale para qualquer relação econômica de comércio, não apenas entre países. Neste texto, explico a lei com um exemplo simples.
João e Maria produzem café e trigo. Ambos possuem os mesmos recursos. Em um ano de trabalho, se João se dedicar apenas à produção de café, ele produzirá 40 toneladas; se se dedicar apenas à produção de trigo, produzirá 80 toneladas. Já Maria, se se dedicar apenas à produção de café, produzirá 60 toneladas e se se dedicar apenas à produção de trigo, produzirá 100 toneladas. Esses dados estão resumidos na tabela abaixo:
Maria é 50% mais produtiva que João na produção de café e 20% mais produtiva que João na produção de trigo. Em outras palavras, a produtividade absoluta de Maria é maior que a de João nos dois produtos. Isso, porém, em termos econômicos, não significa nada. Para entender isso, é preciso mensurar os custos de cada um.
Sem perda de generalidade, suponha que os custos marginais são iguais ao custo médio. O custo de João de produzir 1t de café é de 2,5t de trigo. Esse número se obtém fazendo-se 100/40, que assim se lê: para cada 40t de café, João deixa de produzir 100t de trigo. Em seu ano de trabalho, ao utilizar seus recursos para produzir cada tonelada de café, João sacrifica 2,5t de trigo que poderia ter produzido, caso utilizasse seus recursos e seu trabalho para produzir trigo. Reciprocamente, o custo de João de produzir 1t de trigo é de 0,4t de café, isto é, 40/100. A tabela abaixo mostra os custos de João e de Maria:
Observe que, apesar de Maria ser absolutamente mais produtiva que João nos dois produtos, o seu custo de produção de trigo é maior que o custo de João. Com efeito, ao produzir 1t de trigo, Maria sacrifica 0,5t de café, ao passo que João sacrifica apenas 0,4t. Portanto, Maria se beneficia se a produção de trigo ficar a cargo de João e ela se especializar na produção de café. Além disso, essa especialização é um benefício líquido social. Note que, para o economista, os custos não precisam necessariamente vir expressos em termos monetários.
Duas observações podem ser feitas agora. A primeira diz respeito à hipótese que fizemos, a de que os custos marginais são iguais ao custo médio, o que equivale a dizer que os custos são lineares como função da taxa de produção. É em razão disso que se concluiu a vantagem da especialização de Maria em café e a de João em trigo. Se, mais geralmente, supusermos custos marginais crescentes, a especialização ocorrerá até certo ponto. O conteúdo da mensagem, porém, não muda: existem vantagens comparativas. O segredo é entender que o economista pensa em termos relativos e marginais e jamais em termos absolutos.
A segunda observação é que os números colocados na tabela de produtividades em nada afetam a lei geral que deduzimos acima. Considere que as produtividades sejam quaisquer valores A, B, C e D, como na tabela à esquerda abaixo:
Na tabela à direita calculamos os respectivos custos pessoais para cada produto. Maria será absolutamente mais produtiva que João se C>A e D>B. Entretanto, é impossível que Maria seja relativamente mais produtiva que João nos dois produtos. Com efeito, suponha, por contradição, que D/C<B/A e que C/D<A/B. Essas desigualdades se contradizem, pois da segunda desigualdade, C/D<A/B, temos, tomando a inversa, D/C>B/A, o que contradiz a primeira desigualdade.
Essa impossibilidade decorre da impossibilidade de x ser igual a 1/x, salvo quando x=1. Em termos econômicos, a lei das vantagens comparativas decorre apenas do fato de que as pessoas têm produtividades diferentes. A não ser que você suponha que João e Maria sejam igualmente produtivos em cada produto, existirá vantagem comparativa na especialização, se não em um produto, pelo menos mais em um do que em outro. Esse resultado também independe do número de produtos, pois as comparações são sempre entre dois produtos.
A Lei das Vantagens Comparativas é, portanto, realmente uma lei. Não é necessário testar empiricamente a sua validade. Ela sempre valerá, desde que as pessoas não sejam todas idênticas em termos de produtividade. O que se faz é simplesmente mensurar as vantagens comparativas. Como vimos, ao produzir 1t de trigo, Maria sacrifica 0,5t de café, ao passo que João sacrifica apenas 0,4t. Assim, quando João se especializa em trigo e Maria em café, a sociedade economiza recursos de Maria capazes de produzir 0,1t de café e que poderão ser alocados na produção de outros bens.
Algumas pessoas criticam a lei com base no fato de que os preços dos fatores não se equalizam em nível internacional. Esse argumento, porém, decorre de um não-entendimento de que os preços possuem fatores não-pecuniários. Suponha, por exemplo, que existam duas filas de cinema para o mesmo filme. No guichê A, o preço do ingresso é $20 e, no guichê B, a fila do ingresso é $25. Você chega ao cinema e vê que a fila A tem 20 pessoas e a fila B tem 5 pessoas. O filme vai começar em 5 minutos. Se você entrar na fila A, demorará 12 minutos e perderá os 7 minutos iniciais do filme. Se ficar na fila B, você levará 3 minutos e chegará em tempo. Sua decisão depende da seguinte comparação na margem: para você, não perder os 7 minutos iniciais do filme vale o acréscimo de $5 no preço do ingresso? Se sim, então você entra na fila B, mesmo que o preço seja maior. Se não, você entra na fila A. Com muitas pessoas competindo pelo ingresso e dado que os preços serão sempre diferentes, então o ajuste dos preços relativos se dará pelo tamanho das filas. Embora a parcela pecuniária dos preços apresente uma desigualdade, os verdadeiros preços pagos são equalizados. O preço pago é o sacrifício incorrido.
No exemplo, o preço de etiqueta da fila B é $25, mas a diferença de $5 no preço pago não é irracional. Ela corresponde à economia de tempo. Comparativamente à fila A, a pessoa que entra na fila B paga um valor pecuniário de $25, mas economiza $5 de seu tempo, de modo que o preço econômico efetivamente pago é $20, não $25. Ela não sacrificou seu tempo. Ela sacrificou apenas o consumo de $20 de outros bens em troca dos quais ela preferiu o ingresso. Portanto, há igualdade de preços econômicos, embora os preço de etiqueta sejam diferentes.
O preço do ingresso é apenas parte do preço que você está disposto a pagar. O preço do ingresso corresponde ao fator pecuniário do valor, mas o valor do seu tempo corresponde aos aspectos não-pecuniários. Se esses fatores não-pecuniários não existissem, então claramente a fila B ficaria vazia e o preço do ingresso colapsaria para $20, o preço cobrado pelo guichê A. Se o guichê B puder ajustar o preço do ingresso, então ele o reduzirá para $20 e as filas terão o mesmo tamanho.
Pense nessa situação limite como ilustrativa da igualdade dos preços fatoriais do trabalho no mercado internacional. As pessoas que criticam a Lei das Vantagens Comparativas com base no argumento de que os fatores de produção não são livremente móveis de um país para outro estão restringindo os preços aos seus aspectos pecuniários. São elas, e não os economistas neoclássicos, que estão fazendo uma hipótese heróica. Os preços têm fatores pecuniários e não-pecuniários. Se, nos modelos, os preços são expressos por p e se dizemos que p é o preço do bem, isso é feito por simplificação analítica. Isso não traz qualquer prejuízo interpetativo, se você souber o que é preço. Um trabalhador não muda tão facilmente para o país vizinho, onde se paga mais pelo trabalho, porque o valor presente do benefício incremental do salário maior não compensa o custo incremental de se mudar do país.
Os preços nos teoremas de equalização de preços no comércio internacional devem ser compreendidos não apenas como os preços de etiqueta dos fatores, mas sim como os preços econômicos, os quais incluem tanto os fatores pecuniários como os não-pecuniários.