Myrdal fala da modelagem teórica, não do politicamente correto e muito menos do excesso de politicamente correto, que é precisamente o ponto. Ele critica a modelagem argumentando que ela incorpora valores morais dos teóricos que modelam e se refere basicamente ao utilitarismo. Nada demais nisso, desde que se entenda a crítica usual ao utilitarismo fundada na impossibilidade de comparações interpessoais. O fato é que a modelagem é uma coisa, a teoria é outra bem mais ampla. A teoria se fundamente na escassez, não depende do construto da utilidade, mas quando se faz o modelo utiliza-se da ideia de utilidade. Como Armen Alchian argumenta, existe uma misconception, da qual Myrdal não escapa, quanto ao significado do auto-interesse na economia e principalmente quanto à ideia de que a teoria é “utilitarista” no sentido de Mill. De fato, já no primeiro capítulo do livro dele, no exercício 2, ele pergunta ao aluno: “What is nonsensical about the proposition: ‘a good economic system maximizes the welfate of the maximum number of people”? No ano passado eu publiquei um artigo em um livro sobre quais são os reais fundamentos, com base em Alchian e Lionel Robbins. Abordar valores outros na modelagem não significa que a ideia do politicamente correto seja a forma apropriada de se fazê-lo. O politicamente correto é uma expressão retórica, não é lógica e muito menos moral. O comentário do Dewey também não se aplica à teoria, pois não é verdade que a natureza moral do problema social (do racismo, que é o que ele aborda) não é contemplada pela teoria. Aqui, mais uma vez o Alchian esclarece o ponto, precisamente a misconception sobre o auto-interesse, que eu mencionei acima: auto-interesse significa tão-somente que as pessoas querem ter o comando sobre a decisão acerca do uso de mais ou menos bens, e isso inclui o uso de bens para fins de caridade e até mesmo para fins de justiça redistributiva. Alchian tem uma seção inteira sobre isso no capítulo 3. O meu ponto, Raissa, é bem mais determinado e focado. Eu me referi ao impacto do “excesso de politicamente correto” sobre a capacidade das crianças de extrair uma lição moral de uma fábula, uma lição que seja diferente do trivial e vazio “tem que ser amiguinho”. Toda fábula explicita os diversos tipos de conflito humano para dela extrair uma lição. Sob o pretexto de condenar todos os tipos de conflito, o politicamente correto os reduz todos a um padrão comum e simplesmente fecha a cortina para as diferenças. E o pior é que isso é feito como mera “práxis” política, sem qualquer fundamento moral e lógico. Na Filosofia, as questões morais são debatidas no âmbito dos problemas da Lógica Modal e da Linguagem. O politicamente correto, ao contrário, se insere na Retórica.