Não julgues além do que sabes
Disse uma vez Umberto Eco que a internet havia concedido à multidão dos imbecis a popularidade. Os imbecis emitem juízos sobre tudo, principalmente sobre aquilo que não sabem. Um antigo provérbio relatado por Plínio, o Velho, em sua História Natural, diz exatamente o mesmo, fazendo referência ao que teria dito Apelles, o maior pintor da Antiguidade grega, ao sapateiro que ousou criticar partes da pintura de Apelles além das sandálias.
Apelli fuit alioqui perpetua consuetudo numquam tam occupatum diem agendi, ut non lineam ducendo exerceret artem, quod ab eo in proverbium venit. Idem perfecta opera proponebat in pergula transeuntibus atque, ipse post tabulam latens, vitia quae notarentur auscultabat, vulgum diligentiorem iudicem quam se praeferens; feruntque reprehensum a sutore, quod in crepidis una pauciores intus fecisset ansas, eodem postero die superbo emendatione pristinae admonitionis cavillante circa crus, indignatum prospexisse denuntiantem, ne supra crepidam sutor iudicaret, quod et ipsum in proverbium abiit. - Plinius Maior, Historia Naturalis, XXXV. 36.
"Para Apelles havia, por outro lado, um costume perpétuo, não importando quão ocupado estivesse o seu dia, de não exercer a arte sem que traçasse uma linha, do que resultou um provérbio. Igualmente, exibia, numa varanda, as obras completadas aos transeuntes e ele mesmo, escondido atrás do quadro, escutava-lhes as críticas, preferindo, ao seu, o juízo mais diligente do vulgo. Contam de uma crítica vinda de um sapateiro, de que, em uma das sandálias, Apelles fizera menos tiras e que, no dia seguinte, o sapateiro, zoando com soberba pela correção feita por causa de sua crítica da véspera, começou a criticar a perna, ao que Apelles, indignado, pôs a cabeça pra fora, para que o sapateiro não opinasse além das sandálias, o que também se tornou um provérbio". - Plínio, o Velho, História Natural, XXXV.36.
Pintura: "Alexandre, o Grande, na oficina de Apelles", de Giuseppe Cades, 1792 (Museu Hermitage).