O BRASIL É UMA DEMOCLASIA

Rodrigo Peñaloza
4 min readJul 31, 2023

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(Rodrigo A. de Souza Peñaloza, 30/7/2023)

O que é democlasia? Não é, como podem supor, cacofonia. É o que somos no Brasil de hoje.

Políbio, em Histórias, VI.4, descreve como Licurgo combinou as três formas de governo (a monarquia, a oligarquia e a democracia) para obter um regime melhor. De cada um ele captou as virtudes e repeliu os vícios. Basicamente é o seguinte: o dêmos (δῆμος, o povo, a democracia) vigia a arrogância da realeza (monarquia), mas não se excede nessa coerção, porque é vigiado pelos anciãos (A oligarquia).

Nosso sistema de governo tripartite moderno é (ou deveria ser) um reflexo ampliado dessa ideia: a realeza é o Executivo, o dêmos é o Legislativo e os anciãos são o Judiciário. Para cada regime, Políbio descreve o que ele considera ser a sua forma decadente. Ao tratar da forma decadente da democracia, ele adota, entre outros, um termo, ὀχλοκρατία, que ele usa para denotar o regime de exceção, em desordem. Translitera-se assim: OCHLOKRATÍA. Em Português “poli-reformado-e-decadente” é OCLOCRACIA, sem H, e com T transformado em C. Em Inglês é “ochlocracy”, o que é mais respeitoso com a herança cultural grega da Civilização Ocidental. O termo OCHLOKRATÍA tem duas raízes. A primeira é ὀχλός, OCHLÓS, que significa “aglomeração desordenada”. Pronuncie o CH como o CH gutural alemão, ou um RR carioca bem carregado. O termo κρατία (KRATÍA) é óbvio: “governo”. OCHLOKRATÍA é, assim, o governo em desordem. Pronuncie “orrlokratía”, oxítona e com o rr carregado, mas se não quiser parecer pedante, fale apenas “oclocracia”.

O Brasil vive um regime em desordem! Seria o Brasil de hoje uma oclocracia? Penso que é mais que isso.

O interessante da versão portuguesa do termo, OCLOCRACIA, sem o H, omitindo o som gutural da letra χ, é que faz lembrar uma outra palavra, que vem por similitude fonética: o verbo ὀκλάζω. Translitere por OKLÁDZO. Filólogos mais puristas dirão que é OKLÁZDO, mas esse é um debate irrelevante, até mesmo para os classicistas. Ora, ὀκλάζω significa “sentar-se sobre os calcanhares, curvar-se, deixar-se abater”. No presente médio-passivo: ὀκλάζομαι. Uma observação: o verbo grego se identifica pela 1a pessoa do singular do presente, não pelo infinitivo. O infinitivo ativo é ὀκλάζειν, “vergar, abater”. O verbo está associado ao advérbio ὀκλάξ (OKLÁCS), que significa “de cócoras”. O substantivo é ὄκλασις (ÓKLASIS), “a ação de dobrar os joelhos”.

O Brasil de Lula, o proto-ditador, e de Alexandre de Morais, o Dux de sua Guarda Pretoriana, mais que uma oclocracia, é uma δῆμοκλασίᾱ (DEMOKLASÍA, δῆμος+ὀκλασίᾱ): é O POVO DE JOELHOS.

O povo é subjugado quando jornalistas, por falarem a verdade, são perseguidos, têm seus passaportes confiscados ou são acorrentados a uma tornozeleira eletrônica, uma forma vil de humilhação pública concebível apenas pela mente de um Dux Cohortium Praetoriarum como Alexandre de Morais, para sinalizar o que pode acontecer a quem quer que questione seus desmandos.

Outros se subjugam por deliberação própria. São οἱ ὀκλαζόμενοι, quais aqueles dentre os autores de uma certa “carta pela democracia” que hoje se calam diante da fraude nominal que é o uso do termo “atos antidemocráticos” como gládio retórico contra a Liberdade de Expressão e contra qualquer um que pareça, apenas pareça, uma ameaça aos planos de poder de um corrupto descondenado e reconduzido à Presidência da República pelas artimanhas de togados e ministros imerecedores do cursus honorum ao qual, pelos abusos, não fazem jus, e pelas manifestações de apoio desses mesmos autores que, diante das ambições frustradas, fingem espanto e indignação diante da ridícula política econômica de um governo incompetente e terraplanista e sobre a qual foram repetidamente avisados. “Nunca na história deste país um FAZUÉLI foi tão justo”. A esses, ambíguos entre o desprezo a Bolsonaro e o amor a Lula, entre o conhecimento e a ideologia, deixo Tertuliano, que em seu “De Spectaculis”, 22.3, dirigindo-se aos cristãos que, contra todos os preceitos do Cristo, se regozijavam com os espetáculos gladiatórios no circo romano, escreveu:

Quanta perversidade! Amam a quem castigam, depreciam a quem aplaudem, exaltam a arte, maculam o artista(Quanta perversitas! Amant quos multant, depretiant quos probant, artem magnificant, artificem notant).

Como os cristãos de Tertuliano, os autoproclamados liberais de Terra Brasilis, em troca da esperança fugidia de um cargo, de uma coluna nalgum jornal, de uns minutos de holofote ou mesmo por mera ingenuidade e alheamento da realidade, seja qual for a razão, não se pejam de assistir ao spectaculum meridianum em que se transformou a política nacional. Hoje menosprezam o espetáculo mesmo que ontem aplaudiram, ontem menosprezaram o espetáculo de que se beneficiavam. O mal não estava, para Tertuliano, em ser cristão, pois que o era, mas em ser cristão e ainda assim se render à violência do espetáculo. Quem morria nos espetáculos não era o gladiador. Quem morria era o cristão espectador: morria-lhe a cada grito histérico um pouco da sua Humanidade. Aos gladiadores bastaram-lhes os seus epitáfios.

Enquanto resta alguma Liberdade de Expressão em Terra Brasilis, podemos afirmar com toda certeza e langor no coração:

O Brasil é uma democlasia! É o povo de joelhos.

Soa como um sermo puerile na voz de criança infante que apenas balbucia os primórdios da lingua patria, mas faz todo sentido. O Brasil não se reconhece como herdeiro da Civilização Ocidental que as culturas grega, romana e judaico-cristã nos legaram. Não sabemos falar a própria língua, não sabemos de nossas origens, não compreendemos a grandeza do Direito e nem sabemos o que é a Liberdade. Sabemos, porém, nosso futuro próximo, se não reagirmos com a Razão contra a Tirania, por um país mais justo e perfeito: aprenderemos o que é Liberdade quando no-la tomarem e nos subjugarem a todos. Tenho, porém, a certeza íntima de que, mais além, no horizonte visível de nossos tempos, o Brasil tomará seu grandioso Destino espiritual já desde sempre designado pelo Altíssimo.

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Rodrigo Peñaloza
Rodrigo Peñaloza

Written by Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.

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