O Homem e a besta, a Civilização e a barbárie

Rodrigo Peñaloza
4 min readJun 9, 2023

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(Rodrigo Peñaloza, 8/6/2023)

Pintura: "A pilhagem de Roma pelos vândalos", de Heinrich Leutemann, 1866.

Ortega y Gasset, apesar de ter escrito há quase um século sua "Rebelión de las Masas", é uma leitura fundamental para reagirmos à decadência moral e cultural de nosso tempo, no qual "revolucionários" de toda espécie se empenham em destruir a Civilização Ocidental, parte por parte, atacando a linguagem, a família, os valores masculinos e femininos, a Cristandade, a ideia de Deus, todos os valores culturais construídos ao longo de quase três mil anos de história greco-latina e judaico-cristã desde Homero e Moisés. Como argumenta Ortega y Gasset, a besta, o animal, tem pouca memória e vive, por isso, cada dia como se fosse o primeiro, porque não tem memória do passado. Já o Homem tem memória e pode começar cada dia a partir das lições da experiência acumulada, construir o futuro porque conhece o passado. Essa é a diferença entre a Civilização e a barbárie, entre a Liberdade e o Totalitarismo, entre o Homem e a besta. A Civilização é o amálgama cultural que selecionou, ao longo de nossa história, as melhores normas sociais e as melhores instituições, de modo a vivermos mais dignamente, plenos de um propósito duplo: o reconhecimento das imperfeições da natureza humana, que é a herança que recebemos dos clássicos greco-latinos, e o reconhecimento da grandeza espiritual de nosso destino pela benevolência divina, que é a nossa herança judaico-cristã. Quintillianus, o grande autor latino das "Institutiones Rhetoricae" já percebera isso ao falar da importância do respeito que devemos devotar aos maiores, isto é, aos antigos que moldaram nossas tradições. Que são as fábulas de Esopo senão as imperfeições da natureza humana explicadas didaticamente para as crianças e, desse modo, ensinar-lhes o que de melhor nossos maiores aprenderam sobre elas e como superá-las? "Ama o Senhor teu Deus de todo teu coração, de todo teu espírito, este o maior mandamento. E eis o segundo, semelhante ao primeiro: ama o próximo como a ti mesmo. Nisso se resume toda a lei e os profetas". Que são esses versículos, que cito de memória, senão a regra áurea para nossa jornada divina? Tudo isso os revolucionários querem destruir. Os bárbaros de novo invadem Roma, desta vez reencarnados, mas ainda tomados do mesmo pavor diante da ordem e do progresso, do mesmo medo diante da certeza da prevalência do Espírito sobre a Matéria, do Amor sobre as paixões grotescas, do Homem Moral sobre o Bruto. Neste trecho de "La Rebelión de las Masas", prólogo para franceses, seção IV, Ortega y Gasset conversa conosco e nos alerta da inutilidade das revoluções que destroem o passado. Sem o passado, somos orangotangos. Refiro-me explicitamente aos ideólogos que negam as leis da economia e os fatos da biologia, àqueles que deturpam a história para justificar suas ideologias totalitárias.

Tres siglos de experiencia «racionalista» nos obligan a recapitular sobre el esplendor y los límites de aquella prodigiosa raison cartesiana. Esta raison es sólo matemática, física, biológica. Sus fabulosos triunfos sobre la naturaleza, superiores a cuanto pudiera soñarse, subrayan tanto más su fracaso ante los asuntos propiamente humanos e invitan a integrarla en otra razón más radical, que es la «razón» histórica.

Ésta nos muestra la vanidad de toda revolución general, de todo lo que sea intentar la transformación súbita de una sociedad y comenzar de nuevo la historia, como pretendían los confusionarios del 89. Al método de la revolución opone el único digno de la larga experiencia que el europeo actual tiene a su espalda. Las revoluciones, tan incontinentes en su prisa, hipócritamente generosa, de proclamar derechos, han violado siempre, hollado y roto el derecho fundamental del hombre, tan fundamental, que es la definición misma de su sustancia: el derecho a la continuidad. La única diferencia radical entre la historia humana y la «historia natural» es que aquélla no puede nunca comenzar de nuevo. Köhler y otros han mostrado cómo el chimpancé y el orangután no se diferencian del hombre por lo que, hablando rigorosamente, llamamos inteligencia, sino porque tienen mucha menos memoria que nosotros. Las pobres bestias se encuentran cada mañana con que han olvidado casi todo lo que han vivido el día anterior, y su intelecto tiene que trabajar sobre un mínimo material de experiencias. Parejamente, el tigre de hoy es idéntico al de hace seis mil años, porque cada tigre tiene que empezar de nuevo a ser tigre, como si no hubiese habido antes ninguno. El hombre, en cambio, merced a su poder de recordar, acumula su propio pasado, lo posee y lo aprovecha. El hombre no es nunca un primer hombre: comienza desde luego a existir sobre cierta altitud de pretérito amontonado. Éste es el tesoro único del hombre, su privilegio y su señal. Y la riqueza menor de ese tesoro consiste en lo que de él parezca acertado y digno de conservarse: lo importante es la memoria de los errores, que nos permite no cometer los mismos siempre. El verdadero tesoro del hombre es el tesoro de sus errores, la larga experiencia vital decantada gota a gota en milenios. Por eso Nietzsche define el hombre superior como el ser «de la más larga memoria».

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Rodrigo Peñaloza
Rodrigo Peñaloza

Written by Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.

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