O lamento de Annaia Ferusa

Uma inscrição funerária que uma romana, de nome Annaia Ferusa, dedica a uma criança escrava de sua propriedade, morta aos cincos anos de idade:

“Aos espíritos dos mortos. De Ferusa para o seu querido escravo doméstico Lucius Annaius Firmius (viveu por 5 anos, 2 meses, 6 dias e 6 horas), nascido em 7 de julho e falecido em 10 de setembro.”

(Dis manibus. Lucio Annaio Firmio vixit annis V, mensibus II, diebus VI, horis VI, qui natus est nonis Iuliis, defunctus est IIII idus Septembres, Annaia Ferusa vernae suo carissimo.)

Annaia Ferusa chama o menino de “verna”, o que significa que Lucius ou chegou a sua casa ainda bebezinho ou nasceu de uma sua escrava doméstica. Em Roma, escravos só tinham um nome. Como o nome de Lucius Annaius Firmius tem três partes (prenome + nome + cognome), então era um liberto. Quando um escravo era liberto, o nome de seu mestre era adicionado, como nome, ao prenome do escravo. O cognome era uma terceira parte que era dada em função de alguma característica pessoal. Daí que “Lucius Annaius Firmius” significa que o escravo Lucius, propriedade de Annaia, foi por ela libertado e que, como indica o seu cognome, deve ter sido uma criança que mostrou resiliência e firmeza em sua curta vida. A sua libertação deve ter se dado pouco antes de sua morte, pois, mesmo sendo liberto, Annaia o chama de verna em sua lápide. Provavelmente ela o libertou no leito de morte, pra que, pelo menos, morresse como um romano livre. Por quê? Não consigo deixar de conjecturar que Annaia aprendeu a nutrir pelo menininho alguma afeição de caráter materno e, em seus últimos instantes, fez de sua libertação uma sublime demonstração de amor. Teria ela perdido algum bebê e visto em Lucius um substituto? Seria Lucius o filho de uma escrava querida da família ou teriam esses cinco anos sido um daqueles reencontros de almas cuja razão escapa aos olhos do mundo?