O primeiro socialista? Não
Não raro constatei a crença de amigos, ainda iludidos pelas doutrinas totalitárias da esquerda, de que Jesus teria sido o "primeiro socialista", em razão de ter dito ao jovem rico que vendesse seus bens e desse o dinheiro aos pobres e também em razão de, nos Atos dos Apóstolos, mencionar-se que os cristãos “tinham tudo em comum”. Duas correções a esse erro grotesco são necessárias. A primeira é de Bernardino Llorca, que, em sua Historia de la Iglesia Católica, esclarece:
"Estos relatos del libro de los Hechos han sido aprovechados por multitud de sectarios para sus respectivas ideologías, por lo cual es conveniente saberlos apreciar en su justo valor. Por de pronto, es una insensatez el querer ver en ellos un tipo de verdadero comunismo. Esta suposición cae por su base si se considera que todo era enteramente voluntario, de un modo semejante al que se practica en un instituto religioso. Esto es muy diverso del comunismo socialista, impuesto a la fuerza a todos los ciudadanos y basado en la negación del derecho de propiedad." (Bernardino Llorca, 1926, “Historia de la Iglesia Católica”, vol. 1, cap. 2, p. 67).
Llorca atenta para o aspecto institucional óbvio do socialismo, que é a coerção do Estado sobre os indivíduos, aquilo que justamente dá a essa doutrina nefasta a sua natureza totalitária e, portanto, incompatível com o Direito Natural e, assim, com um dos direitos humanos mais elementares: a liberdade.
A segunda correção, embora patente para as pessoas de bom senso, faço-a eu mesmo. A origem do erro repousa no argumento retórico da esquerda de atribuir ao socialismo e suas crias culturais do século 20 o monopólio de virtudes sociais tais como o:
(a) apreço pelo bem comum,
(b) o desapego das coisas materiais e
(c) a superação do "egoísmo econômico".
Em primeiro lugar, nenhuma dessas virtudes é alheia ao Pensamento Liberal. E afirmo mais: se há uma instância em que elas de fato não se sustentam é justamente no regime socialista, ao contrário do que a própria panfletagem de esquerda apregoa. O apreço pelo bem comum se sustenta no regime liberal porque existe a perspectiva da interação futura. Henry Hazlitt trata disso em Foundations of Morality, Hayek em Law, Legislation and Liberty e na Teoria Econômica se explica pela Teoria dos Jogos Dinâmicos e dos Jogos Cooperativos.
O argumento do desapego das coisas materiais ganha força entre os esquerdistas porque eles caem no engodo de que, num regime de mercado, as pessoas só pensam em coisas materiais e no dinheiro. Isso não é verdade.
O egoísmo econômico não se confunde com o egoísmo moral. Essa associação equívoca é retórica e, de tão mal-intencionada, chega a dar náuseas. Como escreve Armen Alchian em University Economics, cap. 3, o significado do auto-interesse em Economia é somente que o indivíduo deseja comando sobre suas decisões quanto a mais ou menos dos bens. No regime socialista isso não ocorre, precisamente porque o comando é do Estado. Meu professor de Filosofia dizia que o Estado são pessoas. Coincidentemente ou não, Alchian diz a mesma coisa. É em razão desse espantalho criado pela esquerda, que tanta crença infundada ainda ilude as pessoas.
Por fim, Jesus também recomendou dar a César o que é de César, a Deus o que é de Deus, estabelecendo, não uma só vez, a certeza de que o Reino de Deus não é deste mundo, que ele se alcança pela reforma moral íntima. Usar a pessoa de Jesus como garoto-propaganda de uma doutrina tão permeada de mentiras, a face do Mal na Terra, pode cooptar os invigilantes, mas não passará pelo crivo da auto-consciência, seja neste ou no outro mundo.