O que acontece quando há subsídio dos juros?

Rodrigo Peñaloza
6 min readSep 20, 2024

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(Rodrigo Andrés de Souza Peñaloza, maio de 2020)

Nestas notas didáticas quero ilustrar, com um exemplo bastante simples, a natureza das perdas econômicas decorrentes de um subsídio aos juros.

Suponha que existem 4 poupadores (A, B, C e D), os ofertantes de fundos, com as seguintes taxas intertemporais de desconto por ano:

  • A=4%
  • B=6%
  • C=7%
  • D=8%

O que significa a taxa de preferência intertemporal de 4% de A? Significa que A está disposto a se abster de todo consumo que teria com $1 ao longo do ano se, em troca, receber $1,04 no fim do período. É a taxa de juros à qual ele fica indiferente entre poupar $1 pelo ano ou gastar $1 no ano. Por simplicidade, suponhamos que cada poupador poupa $1 e apenas $1, de modo que cada $1 corresponde a um único poupador.

Existem 4 empresas (X, Y, Z e W), os demandantes de fundos, com as seguintes produtividades marginais de capital:

  • X=10%
  • Y=8%
  • Z=6%
  • W=5%

O que significa a produtividade marginal de 10% de X? Significa que a empresa X, ao tomar $1 emprestado, investe em seu melhor projeto privado, que lhe dá um retorno de $1,10, ou seja, de 10%. Analogamente para as demais empresas. Suponhamos, também por simplicidade, que cada empresa demanda $1 e apenas $1, de modo que cada $1 corresponde a uma única empresa.

Portanto, a taxa de juros de equilíbrio é qualquer taxa entre 6% e 7%. Digamos que seja 6,5% ao ano. A quantidade de fundos de equilíbrio é $2. Em outras palavras, somente os poupadores A e B e as empresas X e Y participam do mercado.

O que acontece quando o o governa subsidia os tomadores de empréstimo (as empresas) em, digamos, 3%?

Isso implica que vale a pena para o poupador D e para a empresa W entrarem no mercado. De fato, o poupador D exige um retorno mínimo de 8% para poupar $1; a empresa W aceita tomar emprestado $1 com juro máximo de 5%, que é o retorno do projeto que ela financiará com esse $1. A diferença é de 3%, transação que o mercado já havia excluído. Como o governo subsidia 3%, então ele cobre essa diferença e permite, assim, a entrada desses agentes. O poupador D poupa $1 e recebe os 8% exigidos, sendo que desses 8% uma parcela de 3% é paga pelo governo. O banco paga $0,08 ao poupador D (ou seja, os 8% de $1 que D exige). Por outro lado, a empresa W toma $1 emprestado e paga um juro de $0,05 (os 5% de $1 que ela aceita pagar). O governo, então, "bancou" $0,03 pra fazer D e W entrarem no mercado de fundos. Observe que essa perda de $0,03 já é perda líquida, pois D e W têm excedente nulo. O poupador D exigia 5% para poupar e é o que ele recebe. Ficou zerado. A empresa W aceitava pagar 8% e paga isso. Ficou zerada.

Com o subsídio de 3% do governo, no novo equilíbrio, todo poupador receberá 8% de juros e toda empresa pagará 5% de juros. A quantidade de fundos será de $4. Todos os agentes participam.

Há também o poupador C e a empresa Z, que entram também no mercado. Vejamos o que acontece com eles. O poupador C exige 7% pra emprestar $1 (poupar) e a empresa Z aceita pagar 6%. Como o poupador C recebe 8%, ele ganha um excedente de 1%, ou seja, $0,01. Lembre que ele estava fora do mercado, mas foi atraído pelo subsídio. Ele ganha $0,01 com isso. Como a empresa Z só paga 5%, dado que ela pagaria, no máximo, 6%, ela ganha 1%, ou seja, $0,01. Assim, C e Z ganham, no total, $0,02. Só que, para realizar esse ganho, o governo gastou $0,03. Portanto, há uma perda líquida social de $0,01.

E os agentes que já estavam no mercado (A, B, X e Y)? A transação entre A e X tem um aumento de excedente de $0,03, cobertos pelo subsídio. Isso é mera transferência do governo para o poupador A e a empresa X. Em termos sociais, não há perda nem ganho. O mesmo ocorre com B e Y.

Quanto aos poupadores A e B e aos investidores X e Y, o que ocorre é mera transferência entre eles: o que um ganha a mais o outro recebe a menos, mas ainda assim todos continuam achando que vale a pena. Porém, isso não faz parte da perda social, justamente por ter sido simples transferências. No caso deles, os ganhos incrementais cancelam as perdas incrementais.

A perda social do subsídio do governo é, então, $0,04, que é a soma da perda de $0,03 pra trazer C e Z para o mercado e a perda de $0,01 pra trazer D e W. Quem arca com essa perda? Você.

Qual é o engodo que de que o político se vale para enganar o eleitor? É dizer que as empresas que entraram no mercado, atraídas pelo subsídio, puderam finalmente realizar seus projetos. As empresas Z e W, que haviam sido excluídas pelo mercado, entram no mercado e realizam seus projetos. A empresa Z ganha $0,01 de lucro e a empresa W fica zerada. Beleza! É o empresário, a produção crescendo! O político pode até dizer que novos poupadores entraram.

O problema é que não é assim que se calculam os custos de eficiência. Em Economia, custo é "custo de oportunidade". O custo de oportunidade social aqui é a perda líquida de $0,04 arcada pelo governo, que serão cobertos pelo contribuinte, o que lhes acarretará o sacrifício de $0,04 de consumo. O custo de eficiência nunca é visto, como dizia Friedman, pois ele é o que cai do prato quando o governo mexe o mingau. O político só olha pra um canto do prato, mas não vê o que caiu fora. Não adianta o político dizer que o empresário vai gerar "riqueza". Claro que ele vai! Veja bem: a empresa Z entra no mercado e gera uma riqueza de $0,01. O poupador C ganha $0,01. A empresa W entra e fica zerada, o poupador D também. Isso todo mundo vê. O problema é que pra realizar esse ganho incremental de $0,02, o governo gastou $0,06, pois foram $0,03 pra cada par que entrou. A perda líquida é de $0,04. E isso ninguém vê!

Outro argumento muito usado pelo polítivo é que o subsídio (mascarado pelo termo incentivos) promove a geração de empregos. Ora, no exemplo, as empresas Z e W entram no mercado e efetivam seus projetos, os quais obviamente aumentam o emprego, e os poupadores também entram e ganham seus excedentes. O valor social desse aumento já está embutido no excedente que essas empresas ganham e os poupadores que também entraram. Mas não é aí que se deve parar o cálculo social. Psra que esses ganhos ocorressem, o gasto foi maior. A diferença é o deadweight loss. Onde está isso na literatura? Está nela toda. É teoria básica aplicada. Existem dezenas de milhares de artigos publicados desde os anos 60 aplicando isso a inúmeros países, períodos e circunstâncias.

Em suma, é perda social, não há ganho líquido, pois é perda depois de se computarem todos os ganhos. Para usar uma linguagem bem pertinente aos dias atuais, PERDA SOCIAL É PERDA EM ÚLTIMA INSTÂNCIA. O economista tem que entender isso e não cair no engodo do discurso político que vê os ganhos dos agentes que entraram no mercado, mas não enxerga que o que se gasta para gerar esses ganhos é maior. Isso é um fenômeno geral da economia e só depende da escassez, isto é, do fato de que a demanda é negativamente inclinada e a oferta é positivamente inclinada.

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Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.