O que não é a Economia

Rodrigo Peñaloza
4 min readNov 17, 2019

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(Rodrigo Peñaloza, 10–04–2019)

Marinus van Reymerswale: O cambista e sua esposa, 1538, Musée des Beaux-Arts de Nantes

Não é incomum vermos uma definição da Economia como a ciência que estuda o conjunto de atividades de produção, distribuição e consumo de bens e serviços “necessários à sobrevivência e à qualidade de vida”, atribuindo, assim, à Economia o objetivo de um bem-estar material. Tanto o termo “necessários” como “qualidade de vida” são misconceptions. Acresce-se a isso uma definição de “economia capitalista” (mercado e propriedade privada) e um adendo afirmando-se que “a Ciência Econômica é uma ciência social que estuda o funcionamento da economia capitalista”, como se a escassez não fizesse parte também de economias “não-capitalistas”.

Podemos contrastar esse equívoco com esta frase de Armen Alchian: “Valid economic theory exists and is applicable to ALL economic systems and countries. There is NOT a special economic theory for capitalism and another for communism, although significant differences exist in the institutions and legal frameworks to which the theory is applied” (Alchian & Allen, University Economics, p.7).

O fato é que Economia não tem a ver com “riqueza material”. Paul Heyne (The Economic Way of Thinking, p. 133) vai ainda mais longe no esclarecimento: “Many people have drifted into the habit of supposing that an economic system produces material wealth, like cars, houses (…). But none of these things are material wealth unless it is available to someone who values it”. Portanto, a riqueza de que trata a Economia não se reduz a bens materiais, mas sim aos excedentes gerados em razão de as pessoas desejarem bens e serviços. Crescimento econômico não consiste no aumento da produção de bens materiais, como carros e aviões, mas na produção de “riqueza”.

O problema é, assim, a visão tacanha e incorreta que muitas pessoas têm sobre o que se compreende por riqueza. Riqueza é qualquer coisa que a pessoa valoriza. Valorizar algo significa estar disposto a sacrificar outra coisa em troca da unidade adicional desse “algo”.

É evidente, parafraseando Heyne (em seguida ao trecho citado acima), que coisas materiais contribuem para a riqueza, mas certamente não existe qualquer equivalência. Alchian e Allen dão a definição correta de riqueza na página 189 (op. cit): “Wealth is the current stock of economic goods. A measure of the market value of wealth is the sum of the values of those goods, each unit of each good being valued at market price”. Eles são muito claros, porém, na acuidade dos conceitos. Essa definição é usual, mas parece que as pessoas veem essa definição e simplesmente não a compreendem integralmente. Um bem econômico é qualquer ação que a pessoa deseja tomar, desde que essa ação envolva o sacrifício de outra. Não é necessário que a elas se acoplem valores monetários. Eles falam de “uma medida” do valor de mercado da riqueza, não “da medida”. Em artigo brilhante (“Cost”), Alchian mostra que uma das formas de mensurar os custos é pela moeda, que, embora não a única (pois há formas não-pecuniárias), é certamente a que mais facilita as trocas. Outro detalhe fundamental é que a valoração deve ser aos preços de mercado. Se os preços não forem os de mercado, a mensuração será distorcida.

Não adianta produzir carros e aviões se as pessoas não desejarem carros e aviões. Como diz Heyne, um adicional de água pode ser “riqueza” para um fazendeiro que deseja irrigar sua plantação, mas não será riqueza se o mesmo fazendeiro se vir no meio de uma enchente do rio Mississippi. Portanto, não é a produção de aviões que é a fonte do crescimento econômico, é o fato de aviões serem suficientemente escassos do ponto de vista das pessoas, as quais desejam aviões, quaisquer que sejam seus fins, e pelos quais elas estão dispostas a sacrificar grande quantidade de outras coisas também desejadas. Esse sacrifício pode ou não vir expresso em termos pecuniários, o que será em geral o caso, já que vivemos numa economia “capitalista”, como diz o manual da USP, embora eu prefira dizer, com Alchian, Coase, Becker, Friedman e tantos outros, que vivemos numa economia de mercado baseada em direitos de propriedade.

Pra concluir o que vimos dizendo sobre o que não é a Economia, nada mais curto e grosso que o próprio Heyne: “The indefensible identification of wealth with material objects must be rejected at root. It makes no sense” (op. cit., p. 134).

Mas o que é, afinal, a Economia? Com a palavra, Armen Alchian e William Allen: “Economics studies the competitive and the cooperative behavior of people in resolving conflicts of interests that arise because wants exceed what is available” (op. cit., p.4). Os autores prosseguem afirmando, ou melhor, alertando, que a mera definição acima não basta para o estudante realmente entender o que é Economia: somente o estudo da Economia poderá fazê-lo.

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Rodrigo Peñaloza
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Written by Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.

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