O triste fim de Milo, renomado atleta
Aulus Gellius, em Noctes Atticae 25.16 (Noites Áticas), século 2 d.C., conta a história de Milo, renomado atleta, e seu triste fim. A história foi recontada por H. C. Nutting, em seu livro Ad Alpes, de 1923. O livro de Nutting é uma novela em Latim escrita para atingir o público juvenil, que muitas vezes achava chato ler Cícero, e assim instruí-lo na cultura romana, fazendo-os ler as mesmas histórias que as crianças romanas ouviam de seus pedagogos. Quis traduzir essa história para mostrar que a realidade e a crueza eram parte essencial da educação do jovem. Ao contrário do que os defensores do politicamente correto acreditam, a função da crueldade no mito é justamente o crescimento do jovem como ser humano, preparando-o para a maturidade diante da vida, que basicamente se resume em compreender os problemas em suas reais proporções. Na versão de Nutting, o escravo Onésimo narra a história de Milo às crianças Cornélia e Sextus, num interregno da viagem pela via Flaminea, um dos inúmeros caminhos que levam a Roma. Com vocês, Onésimo e a história de Milo:
A história de Milo
Ouvindo aquilo, as crianças vieram embora. Pouco depois, como tivessem entrado outra vez na sala, encontraram Onésimo esperando-os, o qual lhes disse:
— Se quiserem ouvir, contarei a vocês a história de Milo, um renomado atleta.
— Legal! — disse Sextus — Ele não foi um homem tão forte como Hércules ou aquele Sansão, de quem Anna uma vez nos contou admirada?
— O próprio Milo — disse Onésimo — era tão forte que dizem que certa vez, em Olímpia, ele ingressou estádio adentro carregando um boi nas costas.
— Caramba! — disse Sextus — Queria ter visto isso, mas não consigo entender como um homem pode carregar tanto peso, mesmo sendo o mais forte de todos.
— Lembro-me — disse Onésimo — Milo ter primeiramente carregado um bezerro diariamente, sem matá-lo, até que o bezerro se tornasse um boi. Assim, pôde sempre carregar um peso cada vez maior e sua própria força ia concomitantemente aumentando.
— Certamente era astuto — disse Cornélia -, esse que tão habilmente se exercitava.
— Também posso contar outra coisa — disse Onésimo — que talvez lhes parecerá ainda mais incrível.
— O que é? — perguntou Sextus -. Queremos ouvir.
Onésimo continuou:
— Certa vez, Milo, já velho, quando viajava pela floresta sozinho, viu uma árvore cortada à beira do caminho. Olhando-a e querendo testar se sua antiga força ainda estava inteira, pôs os dedos na fenda da árvore e tentou arremessar o tronco. Ele se partiu ao meio, mas como Milo tivesse soltado as mãos (ele pensou que já tinha terminado o que pretendia fazer), a árvore, que havia se partido em dois, subitamente voltou ao seu lugar e comprimiu violentamente a mão do coitado. A situação ficou muito perigosa, pois as forças do infeliz se esvaeceram e de nenhum modo pôde erguer a árvore novamente ou retirar a mão. Por isso, encontrado ali pelas feras e não podendo se defender mais, foi horrivelmente dilacerado.
— Vixi! — disse Cornélia -.Parece que toda história que eu escuto, o cara morre no final.
E já Publius, que acabara de entrar na sala, perguntou a Cornélia:
— O que foi, minha irmã? O que é que te molesta agora?
— Acabamos de escutar a história de um certo atleta famoso - disse ela -que, coitado, já velho, foi morto por feras na floresta.
Original em Latim (H.C. Nutting, Ad Alpes. Ed. Scott, Foresman & Company, 1923, cap. 25, pp. 153–154):
Quo audito, liberi discesserunt. Ac paulo post, cum iterum conclave intrassent, se exspectantem Onesimum invenerunt, qui: “De Milone, athleta nobilissimo,” inquit, “fabulas vobis narrabo, si audire vultis.”
“Miror,” inquit Sextus, “isne fuerit homo tantis viribus quantis fuit Hercules aut ille Samson, de quo olim Anna nobis quaedam miranda narravit.”
“Milo quidem,” inquit Onesimus, “satis validus profecto erat; qui etiam dicitur olim Olympiae per stadium ingressus esse, cum umeris sustineret bovem.”
“Papae!” inquit Sextus. “Vellem hoc ego vidissem. Sed vix intellegere possum, quo modo homo onus tantum sustinere potuerit, etsi viribus maximis erat.”
“Memoriae traditum est,” inquit Onesimus, “Milonem primo vitulum cotidie tulisse, neque id intermisisse facere, donec vitulus esset bos factus. Sic onus semper maius sustinere potuit, quod ipsius vires pariter crescebant.”
“Callidus certe erat,” inquit Cornelia, “qul se tam scienter exerceret.”
“Aliud quoque de eo narrare possum,” inquit Onesimus, “quod fortasse vobis etiam notabilius videbitur.”
“Quid est?” inquit Sextus. “Audire cupimus.”
At ille: “Milo olim, cum iam senior per silvam solus iter faceret, arborem conspexit, quae cuneis fissa erat. Qua animadversa, cum vellet experirl num vlres pristinae adhuc integrae essent, digitis in rimam arboris insertis, robur diducere conatus est. Ac mediam quidem partem divellit. Cum autem manus laxasset (ratus se iam perfecisse, quod conatus erat), arbor, quae duas in partes diducta erat, subito in locum rediit, manusque hominis arte compressit. Res iam in summum discrimen est adducta; nam senis infelicis vires defecerant, nec ullo modo arborem iterum diducere aut manus suas revellere potuit. Quare, a feris ibi repertus, foede dilaniatus est, cum non diutius se defendere posset.”
“Eheu!” inquit Cornelia. “Omnes, de quibus audio, exitus miseros invenire videntur.”
At iam Publius, qui modo conclave intraverat: “Quid est, soror mea,” inquit, “quod nunc tibi molestum est?”
“De quodam athleta claro,” inquit Cornelia, “fabulam audiebamus; qui miser, iam senex factus, in silvis a ferls occisus est.”