As flores murchas do Mal
Para Paulo Freire, o “patrono do pau-oco”, quando um pedreiro analfabeto se encanta com uma música de Beethoven, ele se encanta com Beethoven não porque ele apreciou sua arte, mas para fazer parte de um status social, ou seja, o pedreiro não tem gosto musical, não tem o apreço pela arte como expressão do Belo, do Bom e do Verdadeiro: ele é apenas um alienado. Evidentemente, “alienado” aqui é um termo que Paulo Freire tomou emprestado a Marx, alterando a alienação econômica para a alienação cultural. Aliás, ele também adapta algumas análises de Marcuse ao contexto da pedagogia. Basta ler as primeiras páginas de Pedagogia do Oprimido e comparar com Onedimensional Man para perceber, desde que você não vomite primeiro, tamanha é a náusea intelectual que dá.
Não há novidades em Paulo Freire. Ele simplesmente aplicou o discurso pseudo-filosófico do marxismo do século XX à área de seu interesse, a saber, a pedagogia como instrumento da práxis revolucionária. Se ele, por acidente, tivesse se tornado geógrafo, teria escrito a geografia do oprimido, porque, para ele, a área é o que menos importa, mas sim o fim: a práxis.
Voltando à ausência de espiritualidade e senso moral e estético que Paulo Freire atribui ao pedreiro, não existe preconceito mais idiota que o desse pseudo-pedagogo, que se vale de uma linguagem rebuscada à imitação de Sartre, Marcuse e da escola de Frankfurt, ou seja, não fala coisa com coisa. Recomendo aos amigos a coletânea “Desconstruindo Paulo Freire”, organizada por Thomas Giulliano. O epíteto “patrono do pau-oco”, que usei acima, é o título do artigo de Giulliano na coletânea. O exemplo do pedreiro é do próprio Giulliano numa palestra. Os comentários mordazes são meus.
Está na hora de acabar com essa farsa de Paulo Freire como patrono da educação nacional, gloria à qual ele foi alçado em 2012 pelo governo de Dilma Roussef, do PT. Se subiu por decreto, que caia por decreto. Aliás, entre os discursos surreais de Dilma e o palavreado vazio de Paulo Freire há uma espécie de sintonia fina. Parece que, agora, falar mal de Paulo Freire é crime. A sinistralha se contorce.
Quem lê a Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, vê nitidamente o substrato da doutrina marxista em cada linha que escreve. Ele parte da premissa da luta de classes, travestida na divisão entre opressor e oprimido. Segue com a tradução doutrinária assumindo que esse estado de coisas é intrinsecamente contraditório, pois a verdadeira liberdade não é a individualista. Ser livre significa tomar consciência de sua situação de oprimido, só que há uma diferença substancial entre querer libertar-se por egoísmo e querer libertar-se por amor. Assim, ser livre é ter consciência de classe, a classe dos oprimidos. Sorrateiramente, ele ilustra isso com a luta pela reforma agrária: o oprimido que quer terra para ter a sua propriedade não se torna verdadeiramente livre, já que simplesmente reproduz o estado de coisas, que é a divisão entre opressores e oprimidos. A verdadeira libertação consiste em querer a reforma agrária por amor da libertação de si e da do próprio opressor. Claramente, Freire se vale da estratégia neomarxista de considerar a visão marxista (como e onde quer que ela seja travestida) como a única detentora da virtude: se você não tem consciência de classe, ou seja, se você não aceita o dogma marxista da luta de classes, então você não é livre e, ipso facto, deve ser “libertado” pelo oprimido. Aliás, ele é explícito sobre isso, a saber, que somente a classe dos oprimidos pode se libertar. Como justificativa moral para essa “luta”, ele argumenta que a libertação promovida pela classe oprimida será também a libertação da classe opressora. O objetivo da libertação é a revolução social.
Ele claramente promove uma aplicação, sem tirar nem pôr, da estrutura teórica do marxismo para o que ele chama de pedagogia do oprimido para a libertação. É impressionante como as pessoas caem nessa balela.
A Pedagogia do Oprimido (1968) de Paulo Freire é uma cópia, não de texto, mas de ideias, adaptada para a pedagogia, de Onedimensional Man (1964) de Herbert Marcuse. Até o termo “introjeção”, que Marcuse usa para designar a ideia de que o trabalhador introjeta a opressão do gerente (termo que ele usa pra indicar o novo tipo de patrão) ao desfrutar dos confortos da sociedade industrial, Paulo Freire copia pra descrever a ideia de que o oprimido vira o opressor quando desfruta dos resultados da educação bancária. Não só isso, Marcuse diz que, na sociedade industrial, trabalhador e gerente devem, ambos, ser libertados. Por quem? Pelo ativista civil socialista, é claro. Eis uma mudança em relação a Marx e Lênin. Similarmente, Paulo Freire diz que, no âmbito da educação, oprimido e opressor devem, ambos, ser libertados. Por quem? Pelo pedagogo ativista socialista, é claro.
Nem é preciso lembrar, porque é amplamente sabido, que o método Paulo Freire de alfabetização de adultos ele o copiou do pedagogo e missionário americano Frank Charles Laubach (1874-1970). Nem a verborreia pseudo-dialética de Pedagogia do Oprimido é original de Paulo Freire. Ele copiou do Sartre pra dar um clima lexical hegeliano, porque, afinal, é chique falar do não-eu que se opõe ao eu e se supera na negação da relação e blá-blá-blá..., mesmo que o sujeito não entenda bulhufas.
"Na verdade, não há eu que se constitua sem um não-eu. Por sua vez, o não-eu constituinte do eu se constitui na constituição do eu constituído. Desta forma, o mundo constituinte da consciência se torna mundo da consciência, um percebido objetivo seu, ao qual se intenciona". - Paulo Freire.
Defina A=eu. Denote por A’ o complementar de A, isto é, A’=não-eu. A’ é tudo que não é o A. Como o "eu" não é absoluto, a totalidade das coisas, então A está estritamente contido na totalidade. Portanto, A’, o complementar de A, tampouco pode ser a totalidade. Então, obviamente, A’ é não-vazio, ou seja, existe A e existe A’. Em outras palavras, existe o eu e existe o não-eu. A frase “não há eu que se constitua sem um não-eu; por sua vez, o não-eu constituinte do eu se constitui na constituição do eu constituído” pode então ser reescrita como: “Existe A porque existe A’ e, reciprocamente, A’ só é A’ porque existe A”. Dito de outra forma: “Existe A porque existe o complementar de A e, reciprocamente, A’ é o complementar de A porque A é A”. Isso é logicamente equivalente à seguinte proposição: “Você está fora porque você não está dentro e, reciprocamente, você não está dentro porque você está fora”. São dois mundos possíveis, na linguagem da Lógica Modal. Nada de novo, porém, no front. Os valores de verdade de A e A’ são ambos V (verdadeiro). O que Paulo Freire diz não passa de uma tautologia, ou seja, ele não diz nada. Para ser honesto, ele, em seguida a esse nonsense, se refere a Sartre. Isso, porém, não lhe tira a culpa, porque Sartre também não disse nada e Paulo Freire usa os raciocínios sem-sentido de Sartre pra justificar sua pedagogia.
O texto de Paulo Freire continua: “Desta forma, o mundo constituinte da consciência se torna mundo da consciência, um percebido objetivo seu, ao qual se intenciona”. Aqui ele aplica a tautologia precedente à consciência (que o eu tem) e ao mundo (o não-eu da consciência, pois a consciência se volta para o mundo). O que ele diz é que a consciência do eu só é consciência do eu porque eu estou no mundo e porque minha consciência se volta para o mundo (ao qual se intenciona — este é um verbo da Filosofia da Linguagem, vide Searle, mas também está na filosofia escolástica), pois se minha consciência não se intencionasse para o mundo, eu não teria a consciência do eu. Em palavras simples: eu só sei que eu sou algo diferente do mundo porque eu não vivo fechado numa bolha de mim-mesmo, ou seja, eu não sou um mineral. Isto é outra tautologia que não diz nada.
É impressionante como tanto nonsense tenha alcançado tão altos patamares de admiração. Sinal dos tempos bárbaros em que vivemos. Basta um jogo de palavras difíceis de teor aparentemente metafísico, uma aparência de crítica social e uma citação de Sartre para enganar meio-mundo. O principal argumento dos que defendem o patronato de Paulo Freire é o fato, incontestável aliás, de ele ser o acadêmico brasileiro mais citado na Academia. O que seus defensores não mencionam, porém, é que não é a contribuição acadêmica de Paulo Freire, — o método de alfabetização, que, como se sabe, nem é original — que é mencionada, mas apenas o seu magnum opus panfletário, A Pedagogia do Oprimido, que de pedagogia e de acadêmico não tem nada. As citações da obra apenas intentam dar um ar de legitimidade a chamamentos panfletários da esquerda em journals acadêmicos das áreas sociais, tomadas pela esquerda e pelo marxismo cultural. Pesam, portanto, contra Paulo Freire, não a favor. Se suas obras mais citadas fossem as que tratam do método de alfabetização, não haveria dúvidas, o que não impediria questionamentos, embora justificasse em parte essa adoração. A única explicação para o argumento do “mais citado” é a ignorância.
Quando penso em educação, eu penso na visão grega de formação do cidadão, de educação para a libertação do Homem, daí o termo “educação liberal”, cunhado mais tarde. Para Paulo Freire, educação, porém, é outra coisa: é a tomada de consciência crítica em relação à opressão capitalista. Não é por outra razão que seu livro se intitula Pedagogia do Oprimido. É óbvio que Paulo Freire é fortemente movido pelo marxismo, ou seja, por um erro, por uma deformidade em quatro τόποι: filosófico, político, econômico e moral.
Aproveito o ensejo para afirmar categoricamente que os verdadeiros patronos da educação nacional são o Padre José de Anchieta e o Padre Manoel da Nóbrega.
O Padre Manoel da Nóbrega fundou, junto com os jesuítas na Bahia, a primeira “escola de ler e escrever” brasileira. A missão era a expansão da educação, algo bem à frente do que havia na Europa de então. Na Espanha, no sul da Itália, nos Países Baixos, na Inglaterra, na Irlanda, nos países escandinavos, na Polônia, na Rússia e nos Bálcans, em todos esses lugares não havia projeto igual [vide Shigunov Neto & Maciel (2008): “O ensino jesuítico no período colonial brasileiro: algumas discussões”, Educar, n. 31, pp. 169-189].
É claro que historiadores de esquerda tentam destruir a imagem dos jesuítas, dizendo que o projeto jesuíta era instaurar a diferença de classes para a consecução da opressão da elite colonial portuguesa. Não esperava outra coisa. O Brasil é um país que não entende seu passado. E nas poucas vezes em que refletiu sobre sua identidade - salvo alguns poucos -, o fez em bases equivocadas e deficientes.
Eis o que eu denomino as Flores (Murchas) do Mal:
Marx, em 1846: "O próprio educador deve ser educado" - Karl Marx, "A ideologia alemã: Feuerbach", ed. Hucitec, 1984, p. 126.
Gramsci, entre 1929 e 1934, com a primeira edição em 1948 : "Pense um pouco no que estou lhe escrevendo e reflita sobre se não será necessário educar os educadores". - Antonio Gramsci, "Lettere del carcere", ed. L'Unità, vol 1 (1987), p. 246.
Paulo Freire, em 1968: "Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado". - Paulo Freire, "A Pedagogia do Oprimido", ed. Paz e Terra, 2018, p. 95
Na mesma coletânea de Thomas Giulliano, há o artigo “A educação clássica é a opressão da ignorância”, do Professor Clístenes Hafner Fernandes, do Instituto Hugo de São Vítor (IHSV), que começa com duas citações que evidenciam o quão maléfica é a pedagogia de Paulo Freire. Primeiro, a citação de Paulo Freire, depois a de Alcuíno:
Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido: “A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”.
Alcuíno, De Grammatica: “Qual soldado será coroado sem uma batalha? Qual agricultor terá pão em abundância se não trabalhar? Não diz o velho ditado as raízes das letras serem amargas, mas os frutos doces? Assim sendo, também o nosso orador (São Paulo) comprova o mesmo na epístola aos hebreus, pois 'nenhuma correção é vista como alegria no presente, mas como sofrimento; no futuro, por sua vez, ela traz um fruto de paz pelo exercício da justiça”. *
E aí? Viram a diferença? O texto latino de Alcuinus está logo abaixo. Espero, com isso, mostrar aos que veneram esse patrono-do-pau-oco as virtudes da “educação bancária”.
Bruno Snell [vide “The Discovery of the Mind” (Die Entedckung des Geistes), 1955, o capítulo intitulado “The discovery of Humanitas and our attitude towards the Greeks”], um dos maiores filólogos do século XX, ao instar os germânicos à reflexão sobre seu novo papel na Europa, fê-los lembrar que não existe Europa sem a cultura grega. E nós?
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*Quis miles sine certamine coronabitur? Quis agricola sine labore abundat panibus? Nonne vetus proverbium, radices litterarum esse amaras, fructus autem dulces? Igitur est noster orator in Epistula ad Hebreos idem probat. Omnis quidem disciplina in praesenti non videtur esse gaudii sed moeroris; postea vero pacatissimum fructum exercitatis in ea affert iustitiae.