TEORIA ECONÔMICA E HAYEK

Rodrigo Peñaloza
5 min readAug 21, 2023

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Exporei aqui dois ramos da Teoria Econômica sobre os quais o artigo seminal de Hayek (1945) acerca do conhecimento disperso na sociedade e o papel informacional dos preços teve profundo impacto: desenho de mecanismos e equilíbrio geral.

Um mecanismo alocativo é uma terna (μ,M,g), em que:

(a) μ é uma correspondência (i.e., uma aplicação ponto-conjunto) que associa a cada economia (ou physical environment) um conjunto de mensagens;
(b) M é o espaço de mensagens;
(b) g é uma função-resultado (outcome function), que associa a cada mensagem uma troca líquida (net trade).

As economias ou physical environments podem ser o que você quiser, desde competição perfeita até monopólio. Eficiência informacional se refere à menor dimensão possível do espaço de mensagens necessário para gerar a eficiência alocativa de Pareto sob informação dispersa. Denote por T(e) o tamanho dimensional de M na economia e. O menor tamanho é quando cada tipo de agente reporta apenas sua informação privada. Suponha que existem N tipos. Eficiência informacional (no sentido de Hurwicz) é quando T=N.

Hayek (1945) escreve: "All that the users of tin need to know is that some of the tin they used to consume is now more profitably employed elsewhere." É essa ideia que deu origem à Teoria de Desenho de Mecanismos por Leonid Hurwicz (1960).
Economias competitivas (e*)
Mount & Reiter (1974), Hurwicz (1977) e Jordan (1982) provaram a Hipótese de Hayek (1945) : a eficiência informacional dos mercados competitivos. Em outras palavras, em mercados competitivos:
T(e*)=N
Tomando e=e*, outra maneira de dizer isso é pela razão:
Z=T(e)/T(e*)=1

Economias com market-markers (e¹)
Market makers são intermediários que anunciam "bid and ask prices". Suponha que existem k market makers. Guthman e Albrecht (2023) provaram que, quando N --> infinito, vale o limite:
Z=T(e¹)/T(e*)-->k.

Monopólio com barreiras à entrada (e²)
É um caso particular (k=1) do anterior. Quando N --> infinito, vale o limite:
Z=T(e²)/T(e*)-->1.
Em outras palavras, assintoticamente (quando a dispersão dos tipos de agente é grande), a dimensão do requerimento informacional é apenas uma dimensão a mais que no caso competitivo considerado por Hayek. Isso é um resultado poderoso. Essa dimensão a mais é a do intermediário monopolista.

Random matching e barganha (e³)
Os agentes têm encontros bilaterais aleatórios e barganham sobre os termos de troca. Albrecht (2023) provaram que T(e³)=N²/2. Neste caso, quando N --> infinito, Z diverge, ie, vale:
Z=T(e³)/T(e*)-->infinito.

Esses últimos resultados são avanços sobre a Hipótese de Hayek e estabelecem as situações nas quais a eficiência informacional é atingida, apenas aproximada ou quando não ocorre. Esta é apenas uma instância na qual a Teoria Econômica avançou sobre a contribuição seminal de Hayek. Você pode ver a conexão entre Hayek e a Teoria de Desenho de Mecanismos em Maskin (2015).

Existem outras instâncias, como Equilíbrio Geral e Competição Perfeita. Modernamente, desde Ostroy (1980, 1995), competição perfeita é definida pela propriedade de apropriação plena.

Considere um jogo ocupacional de Nash em que cada perfil (profile) determina uma economia. Cada agente escolhe sua ocupação (preferências, tecnologias, capacidades limitadas, bens a comercializar etc.). Se o equilíbrio de Nash desse jogo é estrategicamente dominante, então ele é dito globalmente eficiente. A eficiência global é mais geral que a eficiência de Pareto. De fato, tudo aquilo que os heterodoxos criticam como ausente no modelo walrasiano é incorporado ao modelo de escolha ocupacional: que os agentes criam e destroem, que não têm informação perfeita, que não tomam preços como dados, que são market makers etc.

Denote por π(i) o excedente privado do agente i na economia dada pelo equilíbrio de Nash do jogo ocupacional. Seja σ(i) a contribuição marginal do agente i para os ganhos sociais de troca. Makowski e Ostroy (1995) provaram o seguinte teorema:

Teorema da Inapropriabilidade: π(i) é menor ou igual a σ(i), para todo agente i=1,...,N.

A propriedade de apropriação plena é: π(i)=σ(i), para todo agente i=1,...,N.

Ostroy (1980) provou que em economias com thick markets, existe competição perfeita se, e somente se, existe apropriação plena. Por thick markets ou mercados espessos, entenda as condições tradicionais de mercados com bens homogêneos e muitos agentes.

Makowski e Ostroy (1995) consideram o caso de thin markets ou mercados finos: bens heterogêneos, poucos agentes e informação fragmentada no sentido de Hayek (1945). Geralmente essas não são características associadas a competição perfeita. Aí é que você se engana, pois você imagina que competição perfeita requer conhecimento perfeito dos preços, bens homogêneos e muitos agentes. Mesmo thin markets podem ser perfeitamente competitivos. Para isso, é preciso que valha apropriação plena e que também valha a condição de não-complementaridade.

Onde entra a Hipótese de Hayek aqui? Em Equilíbrio Geral, a Hipótese de Hayek é formalizada pela condição de consistência de Makowski e Ostroy (1995). É essa condição, junto com a de não-complementaridade, que fará com que o equilíbrio ocupacional com thin markets não só exista, como também seja globalmente eficiente.

Em todas essas estruturas de mercado, price-taking NÃO é hipótese para a competição perfeita: ela é CONSEQUÊNCIA. Se não vale apropriação plena, então uma firma pode, mesmo em equilíbrio walrasiano (e, portanto, Pareto-eficiente), alterar preços restringindo sua capacidade! Essa é a essencialidade da apropriação plena. São as violações de apropriação plena que explicam imperfeições de mercado. No caso de mercados finos (os únicos que os heterodoxos consideram), são as violações da condição de consistência e as falhas de coordenação que explicam a competição imperfeita. A Teoria Econômica nunca disse que os mercados são perfeitamente competitivos, mas ela sabe explicar porque não são, quando não forem.

A lógica da apropriação plena tem um sabor claramente pigoviano. Se você já leu The Economics of Welfare, de Pigou, entenderá o que disse. Você pode ler um survey sobre 20 anos de contribuições da reformulação da ideia de competição perfeita conduzida por Ostroy no artigo de Makowski e Ostroy (2001).

Concluindo, Hayek é muito mais importante para a Teoria Econômica do que você pensa.

Sugestões de leitura
Guthmann, R. & B. Albrecht (2023). "Market microstructure and informational efficiency: the role of intermediation". Submitted preprint.

Hammond, P. (1979). "Straightforward individual incentive compatibility in large economies". Review of Economic Studies, 46(2), 263–282.

Hayek, F. (1945). “The Use of Knowledge in Society.” The American Economic Review, 35 (4): 519–530.

Hurwicz, L. (1960): “Optimality and informational efficiency in resource allocation processes”, in Arrow, Karlin and Suppes (eds.), Mathematical Methods in the Social Sciences. Stanford University Press.

Hurwicz, L. (1977). “On the dimensional requirements of informationally decentralized Pareto-satisfactory processes.” In Studies in Resource Allocation Processes, ed. K. Arrow and L. Hurwicz, 413–424. Cambridge University Press.

Jordan, J. (1982). "The competitive allocation process is informationally efficient uniquely". Journal of Economic Theory, 28(1): 1–18.

Makowski, L. & J. Ostroy (1995). "Appropriation and efficiency: a revision of the first theorem of welfare economics". The American Economic Review, 85(4): 808-827.

Makowski, L. & J. Ostroy (2001). "Perfect competition and the creativity of the market". Journal of Economic Literature, 39(2): 479-535.

Maskin, E. (2015). "Friedrich von Hayek and mechanism design". Review of Austrian Economics, 28: 247–252.

Mount, K., & Reiter, S. (1974). "The informational size of message spaces". Journal of Economic Theory, 8(2): 161–192.

Ostroy, J. (1980). "The no-surplus condition as a characterization of perfectly competitive equilibrium". Journal of Economic Theory, 22(2): 183-207.

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Rodrigo Peñaloza
Rodrigo Peñaloza

Written by Rodrigo Peñaloza

PhD in Economics from UCLA, MSc in Mathematics from IMPA, Professor of Economics at the University of Brasilia.

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